quarta-feira, 27 de julho de 2011

JUSTIÇA AMBIENTAL CONSIDERAÇÕES E ABORDAGENS



    O Jornal Oecoambiental, fundamenta-se no conceito de Justiça Ambiental, na medida em que foi fundado através de uma atitude da sociedade civil em BH/MG, após o Seminário Cidadania e Meio Ambiente realizado na Assembléia Legislativa de MG em 1999.  Nosso trabalho de difusão da informação socioambiental visa contribuir para conquista do direito de todo cidadão  previsto no Artigo 225 da Constituição brasileira de ter acesso a informação para tomada de decisões de como podemos nos defender como seres humanos  do agravamento dos conflitos socioambientais no Brasil e no mundo.  O Brasil possui um histórico e especificidade na conquista da Justiça Ambiental através de ações da sociedade civil que vem enfrentando os problemas e conflitos ambientais através da educação e mobilização socioambiental.   Trazemos então a público, breves argumentações de conceitos e abordagens sobre a Justiça Ambiental a seguir. Aguardamos de nossos leitores novas contribuições as questões levantadas.  A conquista da Justiça Ambiental é o caminho para a construção da sustentabilidade.  

   Justiça ambiental (EJ) é "o tratamento justo e envolvimento significativo de todas as pessoas independentemente de raça , cor, sexo, origem nacional ou de renda em relação ao desenvolvimento, implementação e aplicação das leis ambientais, regulamentos e políticas. "  Nas palavras de Bunyan Bryant, "justiça ambiental é servido quando as pessoas podem realizar seu máximo potencial." Environmental justice emerged as a concept in the United States in the early 1980s; its proponents generally view the environment as encompassing "where we live, work, and play" and seek to redress inequitable distributions of environmental burdens (pollution, industrial facilities, crime, etc.).   
    Justiça ambiental surgiu como um conceito nos Estados Unidos no início de 1980;  geralmente vista como englobando o meio ambiente em que as pessoas vivem, trabalham e se divertem. Seus proponentes tentam corrigir distribuições desiguais das cargas ambientais (poluição, instalações industriais, crime, etc.) Root causes of environmental injustices include "institutionalized racism; the co-modification of land, water, energy and air; unresponsive, unaccountable government policies and regulation; and lack of resources and power in affected communities." [ 4 ] Causas das injustiças ambientais incluem "racismo institucionalizado, o co-modificação de terra, energia, água e ar; sem resposta, as políticas governamentais irresponsáveis ​​e sem regulação;. E a  falta de recursos e poder nas comunidades afetadas"
The following definition of environmental justice is from the quarterly newsletter of the South African Environmental Justice Networking Forum: A seguinte definição de justiça ambiental é a partir do boletim trimestral do Meio Ambiente Sul-Africano Justiça Forum Networking:
"Environmental justice is about social transformation directed towards meeting basic human needs and enhancing our quality of life—economic quality, health care, housing, human rights, environmental protection, and democracy. In linking environmental and social justice issues the environmental justice approach seeks to challenge the abuse of power which results in poor people having to suffer the effects of environmental damage caused by the greed of others." [ 8 ] "Justiça ambiental é a transformação social visa a satisfação das necessidades humanas básicas e melhorando nossa qualidade de vida-econômico de qualidade, saúde, habitação, direitos humanos, proteção ambiental e democracia.  Em questões de justiça ambiental e social a abordagem de justiça ambiental procura desafiar o abuso de poder que resulta em pessoas pobres tenham de sofrer os efeitos dos danos ambientais causados ​​pela ganância de outros. "

   Em seu livro, Definição de Justiça Ambiental: Teorias, Movimentos, e Nature, o filósofo David Schlosberg  He argues that the definitions used by environmental justice activists in the US and worldwide incorporate four major ideas: the equitable distribution of environmental risks and benefits; fair and meaningful participation in environmental decision-making; recognition of community ways of life, local knowledge, and cultural difference; and the capability of communities and individuals to function and flourish in society. [ 2  argumenta que as definições utilizadas por ativistas da justiça ambiental em todo o mundo e  nos EUA incorporam quatro idéias principais: a distribuição eqüitativa dos riscos e benefícios ambientais, a participação justa e significativa na tomada de decisões, o reconhecimento de formas comunidade de vida, conhecimento local, e diferença cultural;  a capacidade das comunidades e indivíduos para funcionar e prosperar na sociedade. (Wikipédia)

terça-feira, 19 de julho de 2011

O QUE É ECONOMOMIA SOLIDÁRIA

 O trabalho de nosso Jornal Oecoambiental está baseado nos fundamentos da economia solidária. Nosso princípio de democratização da informação socioambiental, que é direito de todo cidadão brasileiro como preconiza o Artigo 225 da Constituição brasileira,  procura defender a vida como fundamento maior dos seres humanos dentro de uma abordagem holística em defesa de todo ambiente. Acreditamos que é possível a sociedade através de suas ações, projetos e intervenções socioambientais, construir relações de produção e consumo sustentáveis.   Dividimos com nossos leitores uma das definições do que é economia solidária.

O QUE É ECONOMIA SOLIDÁRIA

   Economia solidária é uma forma de produção, consumo e distribuição de riqueza (economia) centrada na valorização do ser humano e não do capital. Tem base associativista e cooperativista, e é voltada para a produção, consumo e comercialização de bens e serviços de modo autogerido, tendo como finalidade a reprodução ampliada da vida. Preconiza o entendimento do trabalho como um meio de libertação humana dentro de um processo de democratização econômica, criando uma alternativa à dimensão alienante e assalariada das relações do trabalho capitalista.
  Além disso, a Economia Solidária possui uma finalidade multidimensional, isto é, envolve a dimensão social, econômica, política, ecológica e cultural. Isto porque, além da visão econômica de geração de trabalho e renda, as experiências de Economia Solidária se projetam no espaço público, no qual estão inseridas, tendo como perspectiva a construção de um ambiente socialmente justo e sustentável; vale ressaltar: a Economia Solidária não se confunde com o chamado "Terceiro Setor" que substitui o Estado nas suas obrigações legais e inibe a emancipação de trabalhadoras e trabalhadores, enquanto sujeitos protagonistas de direitos. A Economia Solidária reafirma, assim, a emergência de atores sociais, ou seja, a emancipação de trabalhadoras e trabalhadores como sujeitos históricos. (Wikipédia)

terça-feira, 12 de julho de 2011

ARTIGO DE LEONARDO BOFF

A perda de confiança na ordem atual

por Leonardo Boff

    Na perspectiva das grandes maiorias da humanidade, a atual ordem é uma ordem na desordem, produzida e mantida por aquelas forças e países que se beneficiam dela, aumentando seu poder e seus ganhos. Essa desordem se deriva do fato de que a globalização econômica não deu origem a uma globalização política. Não há nenhuma instância ou força que controle a voracidade da globalização econômica. Joseph Stiglitz e Paul Krugman, dois prêmios Nobel em economia, criticam o Presidente Obama por não ter imposto freios aos ladrões de Wall Street e da City, ao invés de se ter rendido a eles. Depois de terem provocado a crise, ainda foram beneficiados com inversões bilionários de dinheiro público. Voltaram, airosos, ao sitema de especulação financeira.
   Estes excepcionais economistas são ótimos na análise mas mudos na apresentação de saidas à atual crise. Talvez, como insinuam, por estarem convencidos de que a solução da economia não esteja na economia mas no refazimento das relações sociais destruidas pela economia de mercado, especialmente, a especulativa. Esta é sem compaixão e desprovida de qualquer projeto de mundo, de sociedade e de política. Seu propósito é acumular maximamente, apropiando-se de bens comuns vitais como água, sementes e solos e destroçado economias nacionais.
  Para os especuladores, também no Brasil, o dinheiro serve para produzir mais dinheiro e não para produzir mais bens. Aqui o Governo tem que pagar 150 bilhões de reais anuais pelos empréstimos tomados, enquanto repassa apenas cerca de 60 bilhões para os projetos sociais. Esta dispariedade resulta eticamente perversa, consequência do tipo de sociedade a qual nos incorporamos, sociedade essa que colocou, como eixo estruturador central, a economia que de tudo faz mercadoria até da vida.
  Não são poucos que sustentam a tese de que estamos num momento dramático de decomposição dos laços sociais. Alain Touraine fala até de fase pós-social ao invés de pós-industrial.
  Esta decomposição social se revela por polarizações ou por lógicas opostas: a lógica do capital produtivo cerca de 60 trilhões de dólares/ano e a do capital especulativo, cerca de 600 trilhões de dólares sob a égide do “greed is good”(a cobiça é boa). A lógica dos que defendem a maior lucratividade possivel e a dos que lutam pelos direitos da vida, da humanidade e da Terra. A lógica do individualismo que destrói a “casa comum”, aumentando o número dos que não querem mais conviver e a lógica da solidariedade social a partir dos mais vulneráveis. A lógica das elites que fazem as mudanças intrasistêmicas e se apropriam dos lucros e a lógica dos assalariados, ameaçados de desemprego e sem capacidade de intervenção. A lógica da aceleração do crescimento material (o PAC) e a dos limites de cada ecossistema e da própria Terra.
   Vigora uma desconfiança generalizada de que deste sistema não poderá vir nada de bom para a humanidade. Estamos indo de mal a pior em todos os itens da vida e da natureza. O futuro depende do cabedal de confiança que os povos depositam em suas capacidades e nas possibilidades da realidade. E esta confiança está minguando dia a dia.
  Estamos nos confrontando com esse dilema: ou deixamos as coisas correrem assim como estão e então nos afundaremos numa crise abissal ou então nos empenharemos na gestação de uma nova vida social, capaz de sustentar um outro tipo de civilização. Os vínculos sociais novos não se derivarão nem da técnica nem da política, descoladas da natureza e de uma relação de sinergia com a Terra. Nascerão de um consenso mínimo entre os humanos, a ser ainda construido, ao redor do reconhecimento e do respeito dos direitos da vida, de cada sujeito, da humanidade e da Terra, tida como Gaia e nossa Mãe comum. A essa nova vida social devem servir a técnica, a política, as instituições e os valores do passado. Sobre isso venho pensando e escrevendo já pelo menos há vinte anos. Mas é voz perdida no deserto. “Clamei e salvei a minha alma”(clamavi et salvavi animam meam), diria desolado Marx. Mas importa continuar. O improvável é ainda possível.

Leonardo Boff é autor de Virtudes para um outro mundo possivel 3 vol. Vozes 2005.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

EDUCAÇÃO AMBIENTAL

XXIII BH ITINERANTE
CURSO DE EXTENSÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL

2º SEMESTRE 2011

CENTRO DE EXTENSÃO EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL / SALA VERDE - SMMA
GERÊNCIA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
SECRETARIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE - PBH

Inscrições:
Período: 13 e 14 de Julho de 2011
Horário: 9 às 17h
Local: Centro de Extensão em Educação Ambiental / Sala Verde - SMMA - Av. Afonso Pena, 4.000 / 6.º andar - Bairro Cruzeiro - Belo Horizonte
As inscrições deverão ser feitas pessoalmente ou por representante portando autorização assinada pelo interessado(a). No ato da inscrição, deverão ser apresentados os certificados das atividades educativas oferecidas pela GEEDA, conforme consta nos tópicos “Processo Seletivo para Cursistas” e “Processo Seletivo para Monitores Voluntários”.

Informações
(31) 3277-5199

quarta-feira, 6 de julho de 2011

PRIMAVERA SILENCIOSA - RAQUEL CARSON

TEXTOS DO AGIR,  LER, PENSAR E  CONSTRUIR NOVO AGIR SOCIOAMBIENTAL 3



  Foi lançada ano passado uma nova edição do livro Primavera Silenciosa de Rachel Carson, um clássico da literatura ambiental da década de 60.

   Rachel Carson nasceu em 27 de Maio de 1907 na Pensilvânia ‐ Estados Unidos. Trabalhou a maior parte de sua vida como bióloga marinha para o Serviço de Peixes e Vida Selvagem dos Estados Unidos. No final da década de 1950, Carson já havia publicado três obras poéticas que se transformaram em sucesso popular, versando sobre o mar. Nelas se incluía o best‐seller O mar quenos cerca.
   Romancista e pesquisadora, o lançamento de seu livro Primavera Silenciosa deu início a uma verdadeira revolução em defesa do meio ambiente, influenciando a rede de televisão CBS a fazer um documentário sobre os efeitos do DDT, o qual foi assistido por mais de 15 milhões de espectadores.
  No ano de 2006, o jornal britânico The Guardian escolheu Rachel Carson como uma das pessoas que mais contribuíram para a defesa do meio ambiente.

terça-feira, 5 de julho de 2011

" A leitura do mundo precede a leitura da palavra" - Paulo Freire

TEXTOS DO AGIR, LER, PENSAR E CONSTRUIR NOVO AGIR SOCIOAMBIENTAL 2


A Importância do ato de ler*




 Rara tem sido a vez, ao longo de tantos anos de prática pedagógica, por isso política,
em que me tenho permitido a tarefa de abrir, de inaugurar ou de encerrar encontros
ou congressos.
    Aceitei fazê-la agora, da maneira porém menos formal possível. Aceitei vir aqui para
falar um pouco da importância do ato de ler. Me parece indispensável, ao procurar falar de tal importância, dizer algo do momento mesmo em que me preparava para aqui estar hoje; dizer algo do processo em que me inseri enquanto ia escrevendo este texto que agora leio, processo que envolvia uma compreensão critica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra
escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura  crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. Ao ensaiar escrever  sobre a importância do ato de ler, eu me senti levado - e até gostosamente - a "reler" momentos fundamentais de minha prática, guardados na memória, desde as  experiências mais remotas de minha infância, de minha adolescência, de minha
mocidade, em que a compreensão critica da importância do ato de ler se veio em mim
constituindo.
   Ao ir escrevendo este texto, ia "tomando distância” dos diferentes momentos em que o
ato de ler se veio dando na minha experiência existencial. Primeiro, a “leitura” do
mundo, do pequeno mundo em que me movia; depois, a leitura da palavra que nem
sempre, ao longo de minha escolarização, foi a leitura da “palavramundo”.
A retomada da infância distante, buscando a compreensão do meu ato de “ler” o
mundo particular em que me movia - e até onde não sou traído pela memória -, me é
absoluta-mente significativa. Neste esforço a que me vou entregando, re-crio, e revivo,
no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em que ainda não lia a
palavra. Me vejo então na casa mediana em que nasci, no Recife, rodeada de árvores,
algumas delas como se fossem gente, tal a intimidade entre nós - à sua sombra
brincava e em seus galhos mais dóceis à minha alt ura eu me experimentava em riscos
menores que me preparavam para riscos e aventuras maiores.
   A velha casa, seus quartos, seu corredor, seu sótão, seu terraço - o sítio das avencas
de minha mãe -, o quintal amplo em que se achava, tudo isso foi o meu primeiro
mundo. Nele engatinhei, balbuciei, me pus de pé, andei, falei. Na verdade, aquele
mundo especial se dava a mim como o mundo de minha atividade perceptiva, por isso
mesmo como o mundo de minhas primeiras leituras. Os "textos", as "palavras”, as
"letras” daquele contexto - em cuja percepção rio experimentava e, quanto mais o
fazia, mais aumentava a capacidade de perceber - se encarnavam numa série de
coisas, de objetos, de sinais, cuja compreensão eu ia apreendendo no meu trato com
eles nas minhas relações com meus irmãos mais velhos e com meus pais.
Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele contexto se encarnavam no canto dos
pássaros - o do sanhaçu, o do olha-pro-caminho-quem-vem, o do bem-te-vi, o do
 sabiá; na dança das copas das árvores sopradas por fortes ventanias que anunciavam
tempestades, trovões, relâmpagos; as águas da chuva brincando de geografia:
inventando lagos, ilhas, rios, riachos. Os “textos”, as “palavras”, as “letras” daquele
contexto se encarnavam também no assobio do vento, nas núvens do céu, nas suas
cores, nos seus movimentos; na cor das folhagens, na forma das folhas, no cheiro das
flores - das rosas, dos jasmins -, no corpo das árvores, na casca dos frutos. Na
tonalidade diferente de cores de um mesmo fruto em momentos distintos: o verde da
manga-espada verde, o verde da manga-espada inchada; o amarelo esverdeado da
mesma manga amadurecendo, as pintas negras da manga mais além de madura. A
relação entre estas cores, o desenvolvimento do fruto, a sua resistência à nossa
manipulação e o seu gosto. Foi nesse tempo, possivelmente, que eu, fazendo e vendo
fazer, aprendi a significação da ação de amolegar.
    Daquele contexto faziam parte igualmente os animais: os gatos da família, a sua
maneira manhosa de enroscar-se nas pernas da gente, o seu miado, de súplica ou de
raiva; Jolí, o velho cachorro negro de meu pai, o seu mau humor toda vez que um dos
gatos incautamente se aproximava demasiado do lugar em que se achava comendo e
que era seu - "estado de espírito”, o de Joli, em tais momentos, completamente
diferente do de quando quase desportivamente perseguia, acuava e matava um dos
muitos timbus responsáveis pelo sumiço de gordas galinhas de minha avó.
Daquele contexto - o do meu mundo imediato - fazia parte, por outro lado, o universo
da linguagem dos mais velhos, expressando as suas crenças, os seus gostos, os seus
receios, os seus valores. Tudo isso ligado a contextos mais amplos que o do meu
mundo imediato e de cuja existência eu nós podia sequer suspeitar.
No esforço de re-tomar a infância distante, a que já me referi, buscando a
compreensão do meu ato de ler o mundo particular em que me movia, permitam-me
repetir, re-crio, re-vivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momento em
que ainda não lia a palavra. E algo que me parece importante, no contexto geral de
que venho falando, emerge agora insinuando a sua presença no corpo destas
reflexões. Me refiro a meu medo das almas penadas cuja presença entre nos era
permanente objeto das conversas dos mais velhos, no tempo de minha infância. As
almas penadas precisavam da escuridão ou da semi-escuridão para aparecer, das
formas mais diversas - gemendo a dor de suas culpas, gargalhando zombeteiramente,
pedindo orações ou indicando esconderijos de botijas. Ora, até possivelmente os meus
sete anos, o bairro do Recite onde nasci era iluminado por lampiões que se perfilavam,
com certa dignidade, pelas ruas. Lampiões elegantes que, ao cair da noite, se “davam”
à vara mágica de seus acendedores. Eu costumava acompanhar, do portão de minha
casa, de longe, a figura magra do “acendedor de lampiões" de minha rua, que vinha
vindo, andar ritmado, vara iluminadora ao ombro, de lampião a lampião, dando luz à
rua. Uma luz precária, mais precária do que a que tínhamos dentro de casa. Uma luz
muito mais tomada pelas sombras do que iluminadora delas.
Não havia melhor clima para peraltices das almas do que aquele. Me lembro das noites
em que, envolvido no meu re medo, esperava que o tempo passasse, que a noite se
fosse, que a madrugada semiclareada viesse trazendo com ela o canto dos passarinhos
"manhecedores".
   Os meus temores noturnos terminaram por me aguçar, manhãs abertas, a percepção
de um sem-número de ruídos que se perdiam na claridade e na algazarra dos dias e
que eram misteriosamente sublinhados no silêncio fundo das noites. Na medida, porém, em que me fui tomando íntimo do meu mundo, em que melhor o percebia e o entendia na "leitura" que dele ia fazendo, os meus temores iam diminuindo. Mas, é importante dizer, a “leitura” do meu mundo, que me foi sempre fundamental, não fez de mim um menino antecipado em homem, um racionalista de calças curtas. A curiosidade do menino não iria distorcer-se pelo simples fato de ser exercida, no que fui mais ajudado do que desajudado por meus pais. E foi com eles, precisamente, em
certo momento dessa rica experiência de compreensão do meu mundo imediato, sem
que tal compreensão tivesse significado malquerenças ao que ele tinha de
encantadoramente misterioso, que eu comecei a ser introduzido na leitura da palavra.
A decifração da palavra fluía naturalmente da “leitura” do mundo particular. Não era
algo que se estivesse dando superpostamente a ele. Fui alfabetizado no chão do
quintal de minha casa, à sombra das mangueiras, com palavras do meu mundo e não
do mundo maior dos meus pais. O chão foi o meu quadro-neqro; gravetos, o meu giz.
Por isso é que, ao chegar à escolinha particular de Eunice Vasconcelos, cujo
desaparecimento recente me feriu e me doeu, e a quem presto agora uma
homenagem sentia, já estava alfabetizada. Eunice continuou e aprofundou o trabalho
de meus pais. Com ela, a leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais significou
uma ruptura com a "leitura" do mundo. Com ela, a leitura da palavra foi a leitura da
“palavramundo”.

* Trabalho apresentado na abertura do Congresso Brasileiro de Leitura, realizado em Campinas, em novembro
de 1981.
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler: em três artigos que se completam. 22 ed. São Paulo: Cortez, 1988. 80

 Quem foi Paulo Freire:
Paulo Reglus Neves Freire (Recife, 19 de setembro de 1921São Paulo, 2 de maio de 1997) foi um educador e filósofo brasileiro. Destacou-se por seu trabalho na área da educação popular, voltada tanto para a escolarização como para a formação da consciência. Autor de “Pedagogia do Oprimido”, um método de alfabetização dialético, se diferenciou do "vanguardismo" dos intelectuais de esquerda tradicionais e sempre defendeu o diálogo com as pessoas simples, não só como método, mas como um modo de ser realmente democrático. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história da pedagogia mundial[1], tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica. (Wikipedia)

sexta-feira, 1 de julho de 2011

O MAL-ESTAR DA CIVILIZAÇÃO - Sigmund Freud - TEXTOS DO LER, PENSAR E AGIR SOCIOAMBIENTAL 1

   Refletindo sobre a crise socioambiental que o Brasil e o mundo atravessam, nosso Jornal Oecoambiental, vem publicar textos originais de alguns autores para a tarefa dos seres humanos de buscarem melhor convivência entre si e com todo o ambiente que nos cerca, como sugerido por Enrique Leff no seu livro Saber Ambiental.  Autores que lidos mesmo em seu contexto histórico podem contribuir na reflexão dos dias de hoje.  Inaugurando esse nosso novo caminho, compreendido como um salto de qualidade para nosso trabalho de difundir a informação e comunicação socioambiental para toda população, postamos a seguir um texto de Sigmund Freud: " Mal estar da civilização" - capítulo V de sua obra. Solicitamos a nossos leitores que nos enviem seus comentários. Vamos assim argumentando nessa direção da sustentabilidade. Não se trata aqui de concordar ou não com os autores. Nosso objetivo é possibilitar uma leitura e uma reflexão das pessoas sobre o ser humano e o todo ambiente tendo a prática cotidiana de cada um de nós como referência.   Saudações a nossos leitores.


TEXTOS DO AGIR, LER, PENSAR E CONSTRUIR NOVO AGIR SOCIOAMBIENTAL 1


O mal-estar da civilização*
Sigmund Freud
 
O trabalho psicanalítico nos mostrou que as frustrações da vida sexual são precisamente aquelas que as pessoas conhecidas como neuróticas não podem tolerar. O neurótico cria, em seus sintomas, satisfações substitutivas para si, e estas ou lhe causam sofrimento em si próprias, ou se lhe tornam fontes de sofrimento pela criação de dificuldades em seus relacionamentos com o meio ambiente e a sociedade a que pertence. Esse último fato é fácil de compreender; o primeiro nos apresenta um novo problema. A civilização, porém, exige outros sacrifícios, além do da satisfação sexual.
Abordamos a dificuldade do desenvolvimento cultural como sendo uma dificuldade geral de desenvolvimento, fazendo sua origem remontar à inércia da libido, à falta de inclinação desta para abandonar uma posição antiga por outra nova.[1] [1] Dizemos quase a mesma coisa quando fazemos a antítese entre a civilização e sexualidade derivar da circunstância de o amor sexual constituir um relacionamento entre dois indivíduos, no qual um terceiro só pode ser supérfluo ou perturbador, ao passo que a civilização depende de relacionamento entre um considerável número de indivíduos. Quando um relacionamento amoroso se encontra em seu auge, não resta lugar para qualquer outro interesse pelo ambiente; um casal de amantes se basta a si mesmo; sequer necessitam do filho que têm em comum para torná-los felizes. Em nenhum outro caso Eros revela tão claramente o âmago do seu ser, o seu intuito de, de mais de um, fazer um único; contudo, quando alcança isso da maneira proverbial, ou seja, através do amor de dois seres humanos, recusa-se a ir além.
Até aqui, podemos imaginar perfeitamente uma comunidade cultural que consista em indivíduos duplos como este, que, libidinalmente satisfeitos em si mesmos, se vinculem uns aos outros através dos elos do trabalho comum e dos interesses comuns. Se assim fosse, a civilização não teria que extrair energia alguma da sexualidade. Contudo, esse desejável estado de coisas não existe, nem nunca existiu. A realidade nos mostra que a civilização não se contenta com as ligações que até agora lhe concedemos. Visa a unir entre si os membros da comunidade também de maneira libidinal e, para tanto, emprega todos os meios, favorece todos os caminhos pelos quais as identificações fortes possam ser estabelecidas entre os membros da comunidade e, na mais ampla escala, convoca a libido inibida em sua finalidade, de modo a fortalecer o vínculo comunal através das relações de amizade. Para que esses objetivos sejam realizados, faz-se inevitável uma restrição à vida sexual. Não conseguimos, porém, entender qual necessidade força a civilização a tomar esse caminho, necessidade que provoca o seu antagonismo à sexualidade. Deve haver algum fator de perturbação que ainda não descobrimos.
A pista pode ser fornecida por uma das exigências ideais, tal como as denominamos,[2] [2] da sociedade civilizada. Diz ela: ‘Amarás a teu próximo como a ti mesmo.’ Essa exigência, conhecida em todo o mundo, é, indubitavelmente, mais antiga que o cristianismo, que a apresenta como sua reivindicação mais gloriosa. No entanto, ela não é decerto excessivamente antiga; mesmo já em tempos históricos, ainda era estranha à humanidade. Se adotarmos uma atitude ingênua para com ela, como se a estivéssemos ouvindo pela primeira vez, não poderemos reprimir um sentimento de surpresa e perplexidade. Por que deveremos agir desse modo? Que bem isso nos trará? Acima de tudo, como conseguiremos agir desse modo? Como isso pode ser possível? Meu amor, para mim, é algo de valioso, que eu não devo jogar sem reflexão. A máxima me impõe deveres para cujo cumprimento devo estar preparado e disposto a efetuar sacrifícios. Se amo uma pessoa, ela tem de merecer meu amor de alguma maneira. (Não estou levando em consideração o uso que dela posso fazer, nem sua possível significação para mim como objeto sexual, uma vez que nenhum desses dois tipos de relacionamento entra em questão onde o preceito de amar seu próximo se acha em jogo.) Ela merecerá meu amor, se for de tal modo semelhante a mim, em aspectos importantes, que eu me possa amar nela; merecê-lo-á também, se for de tal modo mais perfeita do que eu, que nela eu possa amar meu ideal de meu próprio eu (self). Terei ainda de amá-la, se for o filho de meu amigo, já que o sofrimento que este sentiria se algum dano lhe ocorresse seria meu sofrimento também – eu teria de partilha-lo. Mas, se essa pessoa for um estranho para mim e não conseguir atrair-me por um de seus próprios valores, ou por qualquer significação que já possa ter adquirido para a minha vida emocional, me será muito difícil amá-la. Na verdade, eu estaria errado agindo assim, pois meu amor é valorizado por todos os meus como um sinal de minha preferência por eles, e seria injusto para com eles, colocar um estranho no mesmo plano em que eles estão. Se, no entanto, devo amá-lo (com esse amor universal) meramente porque ele também é um habitante da terra, assim como o são um inseto, uma minhoca ou uma serpente, receio então que só uma quantidade de meu amor caberá à sua parte – e não, em hipótese alguma, tanto quanto, pelo julgamento de minha razão, tenho o direito de reter para mim. Qual é o sentido de um preceito enunciado com tanta solenidade, se seu cumprimento não pode ser recomendado como razoável?
Através de um exame mais detalhado, descubro ainda outras dificuldades. Não meramente esse estranho , em geral, indigno de meu amor; honestamente, tenho de confessar que ele possui mais direito de minha hostilidade e, até mesmo, meu ódio. Não parece apresentar o mais leve traço de amor por mim e não demonstra a mínima consideração para comigo. Se disso ele puder auferir uma vantagem qualquer, não hesitará em me prejudicar; tampouco pergunta a si mesmo se a vantagem assim obtida contam alguma proporção com a extensão do dano que causa em mim. Na verdade, não precisa nem mesmo auferir alguma vantagem. Se puder satisfazer qualquer tipo de desejo com isso, não se importará em escarnecer de mim, em me insultar, me caluniar e me mostrar a superioridade de seu poder; e, quanto mais seguro se sentir e mais desamparado eu for, mais, com certeza, posso esperar que se comporte dessa maneira para comigo. Caso se conduza de modo diferente, caso mostre consideração e tolerância como um estranho, estou pronto a trata-lo da mesma forma, em todo e qualquer caso e inteiramente fora de todo e qualquer preceito. Na verdade, se aquele imponente mandamento dissesse ‘Ama a seu próximo como este te ama’, eu não lhe faria objeções. E há um segundo mandamento que me parece mais incompreensível ainda e que desperta em mim uma oposição mais forte ainda. Trata-se do mandamento ‘Ama os teus inimigos’. Refletindo sobre ele, no entanto, percebo que estou errado em considerá-lo com uma oposição maior. no fundo, é a mesma cosa.[3] [3]
Acho que agora posso ouvir uma voz solene me repreendendo: ‘É precisamente porque teu próximo não é digno de amor, mas, pelo contrário, é teu inimigo, que deves amá-lo como a ti mesmo’. Compreendo então que se trata de um caso semelhante ao do Credo quia absurdum.[4] [4]
Ora, é muito provável que meu próximo, quando lhe for prescrito que me ame como a si mesmo, responda exatamente como o fiz e me rejeite pelas mesmas razões. Espero que tenha os mesmos fundamentos objetivos para fazê-lo, mas terá a mesma idéia que tenho. Ainda assim, o comportamento dos seres humanos apresenta diferenças que a ética, desprezando o fato de que tais diferenças são determinadas, classifica como ‘boas’ ou ‘más’. Enquanto essas inegáveis diferenças não forem removidas, a obediência às elevadas exigências éticas acarreta prejuízos aos objetivos da civilização, por incentivar o ser mau. Não podemos deixar de lembrar um incidente ocorrido na câmara dos deputados francesa, quando a pena capital estava em debate. Um dos membros acabara de defender apaixonadamente a abolição dela e seu discurso estava sendo recebido com tumultuosos aplausos, quando uma voz vinda do plenário exclamou: ‘Que messieurs les assassins commencent!’[5] [5]
O elemento de verdade por trás disso tudo, elemento que as pessoas estão tão dispostas a repudiar, é que os homens não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo. Homo homini lupus.[6] [6] Quem, em face de toda sua experiência da vida e da história, terá a coragem de discutir essa asserção? Via de regra, essa cruel agressividade espera por alguma provocação, ou se coloca a serviço de algum outro intuito, cujo objetivo também poderia ter sido alcançado por medidas mais brandas. Em circunstâncias que lhe são favoráveis, quando as forças mentais contrárias que normalmente a inibem se encontram fora de ação, ela também se manifesta espontaneamente e revela o homem como uma besta selvagem, a quem a consideração para com sua própria espécie é algo estranho. Quem quer que relembre as atrocidades cometidas durante as imigrações raciais ou as invasões dos hunos, ou pelos povos conhecidos como mongóis sob a chefia de Gengis Khan e Tamerlão, ou na captura de Jerusalém pelos piedosos cruzados, ou mesmo, na verdade, os horrores da recente guerra mundial, quem quer que relembre tais coisas terá de se curvar humildemente ante a verdade dessa opinião.
A existência da inclinação para a agressão, que podemos detectar em nós mesmos e supor com justiça que ela está presente nos outros, constitui o fator que perturba nossos relacionamentos com o nosso próximo e força a civilização a um tão elevado dispêndio [de energia]. Em conseqüência dessa mútua hostilidade primária dos seres humanos, a sociedade civilizada se vê permanente ameaçada de desintegração. O interesse pelo trabalho em comum não a manteria unida; as paixões instintivas são mais fortes que os interesses razoáveis. A civilização tem de utilizar esforços supremos a fim de estabelecer limites para os instintos agressivos do homem e manter suas manifestações sob o controle por formações psíquicas reativas. Daí, portanto, o emprego de métodos destinados a incitar as pessoas a identificação e relacionamentos amorosos inibidos em sua finalidade, daí a restrição à vida sexual e daí, também, o mandamento ideal de amar ao próximo como a si mesmo, mandamento que é realmente justificado pelo fato de nada mais ir tão fortemente contra a natureza original do homem. A despeito de todos os esforços, esses empenhos da civilização até hoje não conseguiram muito. Espera-se impedir os excessos mais grosseiros da violência brutal por si mesma, supondo-se o direito de usar a violência contra os criminosos; no entanto, a lei não é capaz de deitar a mão sobre as manifestações mais cautelosas e refinadas da agressividade humana. Chega a hora em que cada um de nós tem de abandonar, como sendo ilusões, as esperanças que, na juventude, depositou em seus semelhantes, e aprende quanta dificuldade e sofrimento foram acrescentados à sua vida pela má vontade deles. Ao mesmo tempo, seria injusto censurar a civilização por tentar eliminar da atividade humana a luta e a competição. Elas são indubitavelmente indispensáveis. Mas oposição não é necessariamente inimizade; simplesmente, ela é mal empregada e tornada uma ocasião para a inimizade.
Os comunistas acreditam ter descoberto o caminho para nos livrar de nossos males. Segundo eles, o homem é inteiramente bom e bem disposto para com seu próximo, mas a instituição da propriedade privada corrompeu-lhe a natureza. A propriedade da riqueza privada confere poder ao indivíduo e, com ele, a tentação de maltratar o próximo, ao passo que o homem excluído da posse está fadado a se rebelar hostilmente contra seu opressor. Se a propriedade privada fosse abolida, possuída em comum toda a riqueza e permitida a todos a partilha de sua fruição, a má vontade e a hostilidade desapareceriam entre os homens. Como as necessidades de todos seriam satisfeitas, ninguém teria razão alguma para encarar outrem como inimigo; todos de boa vontade, empreenderiam o trabalho que se fizesse necessário. Não estou interessado em nenhuma crítica econômica do sistema comunista; não posso investigar se a abolição da propriedade privada é conveniente ou vantajosa.[7] [7] Mas sou capaz de reconhecer que as premissas psicológicas em que o sistema se baseia são uma ilusão insustentável. Abolindo a propriedade privada, privamos o amor humano da agressão de um de seus instrumentos, de certo forte, embora, decerto também, não o mais forte; de maneira alguma, porém, alteramos, as diferenças em poder e influência que são mal empregadas pela agressividade, nem tampouco alteramos nada em sua natureza. A agressividade não foi criada pela propriedade. Reinou quase sem limites nos tempos primitivos, quando a propriedade ainda era muito escassa, e já se apresenta no quarto das crianças, quase antes que a propriedade tenha abandonado sua forma anal e primária; constitui a base de toda relação de afeto e amor entre pessoas (com a única exceção, talvez, do relacionamento da mãe com seu filho homem[8] [8] ). Se eliminamos os direitos pessoais sobre a riqueza material, ainda permanecem, no campo dos relacionamentos sexuais, prerrogativas fadadas a se tornarem a fonte de mais intensa antipatia e da mais violenta hostilidade entre homens que, sob outros aspectos, se encontram em pé de igualdade. Se também removemos esse fator, permitindo a liberdade completa da vida sexual, e assim abolirmos a família, célula germinal da civilização, não podemos, é verdade, prever com facilidade quais os novos caminhos que o desenvolvimento da civilização vai tomar; uma coisa, porém, podemos esperar: é que, nesse caso, essa característica indestrutível da natureza humana seguirá a civilização.
Evidentemente, não é fácil aos homens abandonar a satisfação dessa inclinação para a agressão. Sem ela, eles não se sentem confortáveis. A vantagem que um grupo cultural, comparativamente pequeno, oferece concedendo a esse instinto um escoadouro sob a forma de hostilidade contra intrusos, não é nada desprezível. É sempre possível unir um considerável número de pessoas no amor, enquanto sobrarem outras pessoas para receberem as manifestações de sua agressividade. Em outra ocasião, examinei o fenômeno no qual são precisamente comunidades com territórios adjacentes, e mutuamente relacionadas também sob outros aspectos, que se empenhem em rixas constantes ridicularizando-se umas às outras, como os espanhóis e os portugueses, por exemplo, os alemães do Norte e os alemães do Sul, os ingleses e os escoceses, e assim por diante.[9] [9] Dei a esse fenômeno o nome de ‘narcisismo de poucas diferenças’, denominação que não ajuda muito a explicá-lo. Agora podemos ver que se trata de uma satisfação conveniente e relativamente inócua da inclinação para a agressão, através da qual a coesão entre os membros da comunidade é tornada mais fácil. Com respeito a isso, o povo judeu, espalhado por toda a parte, prestou os mais úteis serviços às civilizações dos países que os acolheram; infelizmente, porém todos os massacres de judeus na Idade Média não bastaram para tornar o período mais pacífico e mais seguro para seus semelhantes cristãos. Quando, outrora, o Apóstolo Paulo postulou o amor universal entre os homens como o fundamento de sua comunidade cristã, uma extrema intolerância por parte da cristandade para com os permaneceram fora dela tornou-se uma conseqüência inevitável. Para os romanos, que não fundaram no amor sua vida comunal como estado, a intolerância religiosa era algo estranho, embora, entre eles, a religião fosse do interesse do Estado e este se achasse impregnado dela. Tampouco constituiu uma possibilidade inexeqüível que o sonho de um domínio mundial germânico exigisse o anti-semitismo como seu complemento, sendo, portanto, compreensível que a tentativa de estabelecer uma civilização nova e comunista na Rússia encontre o seu apoio psicológico na perseguição aos burgueses. Não se pode senão imaginar, com preocupação, sobre o que farão os soviéticos depois que tiverem eliminado seus burgueses.
Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor porque lhe é difícil ser feliz nessa civilização. Na realidade, o homem primitivo se achava em situação melhor, sem conhecer restrições de instintos. Em contrapartida, suas perspectivas de desfrutar dessa felicidade, por qualquer período de tempo, eram muito tênues. O homem civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança. Não devemos esquecer, contudo, que na família primeva apenas o chefe desfrutava da liberdade instintiva; o resto vivia em opressão servil. Naquele período primitivo da civilização, o contraste entre uma minoria que gozava das vantagens da civilização e uma minoria privada dessas vantagens era, portanto, levado a seus extremos. Quanto aos povos primitivos que ainda hoje existem, pesquisas cuidadosas mostraram que sua vida instintiva não é, de maneira alguma, passível de ser invejada por causa de sua liberdade. Está sujeita a restrições de outra espécie, talvez mais severas do que aquelas que dizem respeito ao homem moderno.
Quando, com toda justiça, consideramos falho o presente estado de nossa civilização, por atender de forma tão inadequada às nossas exigências de um plano de vida que nos torne felizes, e por permitir a existência de tanto sofrimento, que provavelmente poderia ser evitado; quando, com crítica impiedosa, tentamos pôr à mostra as raízes de sua imperfeição, estamos indubitavelmente exercendo um direito justo, e não nos mostrando inimigos da civilização. Podemos esperar efetuar, gradativamente, em nossa civilização alterações tais, que satisfaçam melhor nossas necessidades e escapam a nossas críticas. Mas talvez possamos também nos familiarizar com a idéia de existirem dificuldades, ligadas à natureza da civilização, que não se submeterão a qualquer tentativa de reforma. Além e acima das tarefas de restringir os instintos, para as quais estamos preparados, reivindica nossa atenção o perigo de um estado de coisas que poderia ser chamado de ‘pobreza psicológica dos grupos’.[10] [10] Esse perigo é mais ameaçador onde os vínculos de uma sociedade são principalmente constituídos pelas identificações dos seus membros uns com os outros, enquanto que indivíduos do tipo de um líder não adquirem a importância que lhes deveria caber na formação de um grupo.[11] [11] O presente estado cultural dos Estados Unidos da América nos proporcionaria uma boa oportunidade para estudar o prejuízo à civilização, que assim é de se temer. Evitarei, porém, a tentação de ingressar numa crítica da civilização americana; não desejo dar a impressão de que eu mesmo estou empregando métodos americanos.
* Esse texto é o Capítulo V de “O mal-estar na civilização”, extraído do volume XXI da Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago Editora, 1969, e publicado in Religião e Sociedade, 15/1, 1990, pp. 120-127. As notas são da edição Standard e se referem á íntegra do texto.
[12][1] Ver, por exemplo, pág. 62, acima. Para certas observações sobre o emprego por Freud do conceito de ‘inércia psíquica’ em geral, ver nota de rodapé do Editor a Freud, 1915f, Standard Ed., 14, 272.
[13][2] Ver pág. 52, acima. Cf. também, “Civilized Sexual Morality” (1908d.), Standard Ed., 9, 199.
[14][3] Um grande e imaginativo escritor pode permitir-se dar expressão – jocosamente, pelo menos – a verdades psicológicas severamente proscritas. Assim, Heine confessa: ‘Minha disposição é a mais pacífica. Os meus desejos são: uma humilde cabana com um teto de palha, mas boa cama, boa comida, o leite e a manteiga mais frescos, flores em minha janela e algumas belas árvores em frente de minha porta; e, se Deus quiser tornar completa a minha felicidade, me concederá a alegria de ver seis ou sete de meus inimigos enforcados nessas arvores. Antes da morte deles, eu, tocado em meu coração, lhes perdoarei todo o mal que em vida me fizeram. Deve-se, é verdade, perdoar os inimigos – mas não antes de terem sido enforcados.’ (Gedanken und Einfälle, seção I.)
[15][4] Ver o Capítulo V de The Future of an Illusion (1927a), Standard Ed., 21, 28. Freud retorna ao tema de amar ao próximo como a si mesmo mais adiante, na pág. 105 e segs.
[16][5] ‘Que os senhores assassinos comecem!’
[17][6] ‘O homem é o lobo do homem.’ Citado de Plauto, Asinaria, II, iv, 88.
[18][7] Quem quer que tenha provado as desgraças da pobreza em sua própria juventude e experimentado a indiferença e a arrogância dos abastados, deveria achar-se a salvo da suspeita de não ter compreensão ou boa vontade com os esforços destinados a combater a desigualdade da riqueza entre os homens e tudo a que ela conduz. Certamente, se se fizer uma tentativa para basear essa luta numa exigência abstrata, em nome da justiça, da igualdade para todos os homens, existirá uma objeção muito óbvia a ser feita: a de que a natureza, por dotar os indivíduos com atributos físicos e capacidades mentais extremamente desiguais, introduziu injustiças contra as quais não há remédio.
[19][8] Cf. uma nota de rodapé do Capítulo VI de Group Psychology (1921c), Standard Ed., 18, 101n. Um exame bem mais longo do assunto ocorre perto do final da Conferência XXXIII das New Introductory Lectures (1939a).
[20][9] Ver Capítulo VI de Group Psychology (1921c), Standard Ed., 18, 101, e ‘O Tabu da Virgindade’ (1981a), Edição Standard Brasileira, vol. XI, pág. 184, Imago editora, 1970.
[21][10] O alemão ‘psychologisches Elend’ parece ser uma versão da expressão de Janet, ‘misère psychologique’, por ele aplicada para descrever a incapacidade de síntese mental que atribui aos neuróticos.
[22][11] Cf. Group Psychology and the Analysis of the Ego (1921c).


   Quem foi Sigmund Freud:

Sigismund Schlomo Freud[2] (Příbor, 6 de maio de 1856Londres, 23 de setembro de 1939[3]), mais conhecido como Sigmund Freud, foi um médico neurologista judeu-austríaco, fundador da psicanálise.[2] Freud nasceu em Freiberg, na época pertencente ao Império Austríaco; atualmente a localidade é denominada Příbor, na República Tcheca.[3] 
(WIKIPÉDIA)