domingo, 29 de julho de 2012

A SOCIEDADE CIVIL NA RIO + 20: A NECESSIDADE DE PRINCÍPIOS NÃO-REGRESSIVOS


Conferência Rio + 20 - Riocentro - Foto: Jornal Oecoambiental

Publicamos a I e II partes do artigo de Vanessa Lemgruber que esteve presente na Rio + 20 - em junho de 2012. Agradecemos sua participação Vanessa em nosso propósito de seguirmos divulgando o conteúdo dos mais de três mil painéis que aconteceram no maior encontro do mundo que avaliou a crise socioambiental brasileira e global.  Repassar a sociedade civil o conteúdo destes painéis da Rio + 20 é o que nosso Jornal Oecoambiental vem fazendo deste nossa participação durante a Conferência no Rio de Janeiro. Que esta argumentação possa favorecer as pessoas, instituições e governos em realizarem ações concretas em defesa da vida e de todo meio ambiente. O que não acontece apenas durante a Conferência Rio + 20, mas em nosso cotidiano, nos próximos anos e décadas.

ARTIGO DE VANESSA LEMGRUBER

   Multiplicidade: a única definição que encontro para os dias nos quais o Rio foi sede das três vias da Rio+20: o processo oficial com os Major Groups e Side events; o semi-oficial , como a Arena Socioambiental e outros espaços organizados pelo Governo Brasileiro; e o autônomo, sendo a Cúpula dos Povos e o Youth Blast as principais iniciativas organizadas pela sociedade civil.
   Mas voltando às definições e às dificuldades em estabelecê-las; delimitar os contornos do que foi a Cúpula dos Povos é elevar essa multiplicidade ao expoente. Fazer um recorte do evento pode ser considerado tão árduo trabalho quanto o de escolher uma única paisagem do Rio de Janeiro para ser emoldurada na eternidade.
   Numa atmosfera quase poética, pessoas de todas as nações se reuniram, buscando se fazer escutar pelas autoridades envolvidas na Rio+20: Agricultores de associações campesinas das Filipinas, Índia e Camboja mostravam que é possível uma forma alternativa de produção agrária; grupo de jovens mulheres ativistas do Canadá levantava sua voz em defesa da Pacha Mama;organizações como a TEBTEBBA(Indigenous Peoples’Internacional Centre for Police Research and Education) defendiam a necessidade de um substrato protetivo e de auto-determinação indigenista;hare Krishnas,padres Agostinianos e pajés indígenas mostraram como o Sagrado pode estar alinhado às questões da natureza;stands em defesa da conservação do Cerrado se destacavam; estudantes e pesquisadores universitários posicionavam-se de forma ativa nos debates; incansáveis discussões, muitas vezes lideradas por representantes da “La Vía Campesina”, em oposição à economia verde... Uma atmosfera quase poética, demasiada pluralidade.
   A economia verde, modelo de desenvolvimento descrido pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) como “aquele que resulta em melhoria do bem-estar humano e da igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica.” pondera que o crescimento na renda e no emprego deve ser puxado por investimentos públicos e privados que reduziriam emissões de carbono e poluição. Essa rota de desenvolvimento deve manter, aprimorar e recuperar o capital natural degradado, traduzindo-o como ativo econômico e fonte de benefícios públicos, “especialmente para a população pobre cuja sobrevivência e segurança são mais direta e imediatamente afetadas por desequilíbrios nos sistemas naturais”(vide efeitos das secas em regiões pobres)
    A sociedade civil tem baseado suas críticas à esse modelo em,basicamente, dois eixos. A crítica feita por um deles pode ser sintetizada no que diz respeito a uma nova etapa ineficaz do ciclo capitalista em relação ao meio-ambiente, o que acabaria por transformar bens comuns como as florestas e os oceanos em objetos de especulação,acumulação e apropriação.Com benefícios em curto prazo,na garantia de maior ganho econômico, essa usurpação dos bens comuns de todos os seres vivos, segundo os que defendem essa crítica, tende a impedir que soluções realmente inovadoras venham a se consolidar, pois mantém a mesma estrutura evidenciadora de desigualdades sob um nova roupagem verde.
     O segundo eixo pode ser descrito como ceticismo em relação ao termo e sua relevância, ou seja, haveria real necessidade de criar um novo termo sendo que não se tem uma definição clara e precisa do mesmo?Muita energia seria gasta em processos nem tão produtivos ao invés de manter o foco em questões já conhecidas que de fato poderiam evidenciar mudanças.
   Mas,observando-se por uma outra óptica a problemática em questão, alguns afirmam que, apesar das críticas serem importantes, elas não seriam capazes de reduzir ao mínimo a potência da Economia Verde como fator de solução para demandas ambientais e sociais. Ao interligar práticas econômicas a pleitos ambientais, esse modelo econômico levaria a uma rápida incorporação de ações “verdes” ao cotidiano de empresas e governos.
   Essa posição, adotada por personalidades como o presidente francês François Hollande, pode muitas das vezes esconder um discurso falacioso para a defesa da queda de medidas protetivas em relação ao meio-ambiente que alguns países emergentes podem vir a adotar. É defender o prisma do deslocamento de recursos e responsabilidades;é aplicaros recursos economizados nos processos decoupling em mais consumo, o que pode criar sobrecargas adicionais sobre os ecossistemas dos países do sul.
   Bem, isso é o que me parece. Transcrevo o que afirmou Hollande quando questionado sobre a Rio+20: “O desenvolvimento sustentável também é uma maneira de sairmos da crise, embora não nos proteja dela. Para isso, devemos combater o protecionismo.Não é um entrave, mas uma oportunidade. Não é uma ferramenta de protecionismo para favorecer países’’
   Pois bem,se na declaração final os governantes presentes na Rio+20 parecem ter concordado apenas nos pontos mínimos,deixando as grandes questões para a agenda pós-evento de 2015; acho correto concordar em uma das pontuações de Amalio de Marichalar,presidente do Foro Soria 21 para o Desenvolvimento Sustentável:se não fosse pela iniciativa da sociedade civil, a problemática ambiental ainda estaria estagnada em discussões teóricas.
    É sob essa mesma óptica de valoração da sociedade civil que Jérôme Fromageau, participante da Rio+20, seguiu em seus ajuizamentos. Ações importantes a serem desenvolvidas pela coletividade podem ser exemplificadas pela necessidade de se pensar a criação de um Tribunal Penal Ambiental Internacional e também de um organismo específico (à exemplo da OIT e UNESCO)para questões pró-ambiente mediante a ineficácia muitas das vezes encontrada no PNUMA;ponderando se essa concessão maior de poder seria bem utilizada pelo órgão a ser criado.
   Além disso, também caberia à coletividade o papel de fiscalizar a aplicação do Princípio da não-regressão. Essa irreversibilidade em matéria de direito ambiental pode ser entendida como a aplicação de um direito progressivo, não comprometedor de gerações futuras.Um direito de eficácia real, que apesar de pautado em lentas transformações,seriam elas qualitativas e relevantes.
   Jérôme vai defender ainda uma questão que está em consonância com o defendido pelos presentes na tarde de quarta-feira na Arena Rio 20: a necessidade de volta às origens e valoração de conexões regionais. O retorno às tradições indigenistas em respeito e valoração da Terra, bem como a importância de um desenvolvimento regional, que busca inspiração em comunidades com similaridade histórica e natural se faz urgente. O Brasil não deve, por exemplo, buscar adequar nossa realidade ao sistema protetivo da Finlândia, cujas florestas e extensão territorial em pouco se assemelham às brasileiras.Um retorno a tradição de povos nativos ou de valoração da cultura de comunidades interioranas como a das quebradeiras-de-coco poderia se mostrar mais eficaz.
   Não que se deva desconsiderar a experiência estrangeira, mas sim que haja uma melhor adequação à realidade do nosso país: que seja - como já diriam os modernistas de 1922- uma real antropofagia do que é produzido fora daqui. Exemplos como a Constituição de 2008 do Equador que trata a natureza como sujeito de direitos ao valorizar as raízes ancestrais do povo; e da do Butão que instituiu o dever de preservar no mínimo 60% das florestas na eternidade não só podem, como devem, ser levados em consideração.
  Vinte anos se passaram desde a Eco92 e da Agenda 21. É verdade que a conscientização ambiental se mostra muito mais recorrente do que há anos atrás, mas pouco de concreto aconteceu desde então. Cabe, mais uma vez, à sociedade civil ser protagonista de um processo fundamental para sua própria perpetuação.
   2015 será o ano de fechamento das natimortas “8 metas do milênio” e data mágica para entrar em vigor os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que deverão ganhar contornos mais bem definidos a partir de 2013.

Nos vemos lá!

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