Milton Nogueira - Foto: Jornal Oecoambiental
Milton Nogueira – Engenheiro, especialista em mudanças climáticas e biodiversidade, consultor de meio ambiente em vários países, ex-funcionário da ONU, residiu em Viena – Áustria. Trabalhou na equipe no Programa Proálcool no Brasil. Concedeu esta entrevista exclusiva ao Jornal Oecoambiental, onde fala sobre a Conferência Rio + 20 e a Cúpula dos Povos.
JOECO: O Senhor é natural de onde?
Milton: Eu sou nascido em Nova Serrana, fui criado em Divinópolis, estudei em Ouro Preto. Fiz economia e desenvolvimento na PUC, isto, é a parte acadêmica. A partir daí, o mundo vai levando a gente a vários lugares. Fui para Brasília, Rio de Janeiro, Viena e, agora, depois de aposentado da ONU, de volta a BH. Mas, quando eu volto, tudo está mudado. Até a língua portuguesa mudou, nesse período de trinta anos.
JOECO: O senhor é especialista em biodiversidade e mudanças climáticas. O senhor considera que houve avanços na questão climática, na recente Conferência da ONU COP 17, em Durban, África do Sul?
Milton: Sim, houve, porque a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, tal como as demais conferências, é uma sucessão de passos cada vez mais compromissados, entre os países. Ela não é um campeonato de futebol, em que tem o momento do apito e, aí, surge um campeão. Ela é uma sucessão de negociações, cada vez com mais condições. Do mesmo tipo que noivado, casamento e família. A cada fase, tem um compromisso maior entre as partes. Em Durban, conseguiram duas coisas importantes. Praticamente finalizaram as negociações do acordo de compensação, por manter as florestas em pé, ou seja, pagar aos países que conseguiram, através de políticas públicas, manterem suas florestas em pé. E o segundo, foi adiar, por três anos, a primeira fase do Protocolo de Quioto, para dar tempo de negociar a fase seguinte, que é uma fase importante. Em Durban, também foi sinalizado que está passando a hora de se chegar a um acordo geral, que traga para a mesa de negociação os EUA e os grandes emissores do mundo, tais como a China, numa mesma regra. Então, foi um progresso político. Não é um progresso jornalístico, às vezes, mas é um progresso político, sim. No sentido de que, agora, existe uma regra multilateral para todos os países, porque é preciso ter uma forma de diminuir as emissões de gases de efeito estufa.
JOECO: Protocolo de Quioto estava ameaçado?
Milton: No fim de 2012, já deveria ser negociada a segunda fase do Protocolo. Ele não só vai continuar existindo, como vai continuar com metas mais ampliadas. Ele é um experimento político de cinco anos, para ver como os países reagiriam. E reagiram muito bem, com o mercado de crédito de carbono. Uma forma de diminuir as emissões de um país e de compensar em outro. Então, como teste, ele funcionou muito bem. O que vai haver agora é a expansão disso, para incluir EUA, Austrália e alguns países que não queriam fazer parte. Haverá mais três anos de negociação e, após este período, terá um protocolo com estas metas ambiciosas de emissão, por todos os países.
JOECO: O que é a Conferência Rio + 20 da ONU?
Milton: A Conferência Rio + 20 é uma Conferência das Nações Unidas, para discutir questões contemporâneas da economia mundial, da sociedade mundial. Por exemplo, a pobreza, o acesso aos recursos naturais. Ela vai, simultaneamente, discutir o meio ambiente, a economia verde, primeiro tema; a redução da pobreza, em segundo; em terceiro, como fazer o planeta funcionar em um novo formato, chamado governança do planeta. Estas propostas sobre economia verde visam, primeiro, diminuir o desperdício e o uso dos combustíveis fósseis. Países continentais, como o Brasil, usam um caminhão para transportar pedras, matéria prima, para grandes distâncias. Já deveria ter resolvido isso; existem meios energeticamente mais eficientes para isso. Além de matar menos pessoas nas estradas. Esse tipo de economia verde objetiva diminuir a quantidade de energia fóssil que é utilizada na economia nacional, tanto na agricultura, quanto no transporte, indústria, comércio, prefeituras, fazendas. Diminuir a intensidade de utilização de combustíveis fósseis é um pacote de medidas chamado de economia verde. Não tem nada a ver com árvore, nem com grama. Tem só no sentido de que, se você corta árvores, coloca mais gás carbônico na atmosfera. A economia verde é aquela que diminui os desperdícios de combustíveis fósseis na economia.
Um segundo tema é a redução da pobreza. A pobreza aumenta no planeta, e, também, a distância dos mais ricos para os mais pobres. No mundo inteiro, cerca de cinco mil pessoas, os trilhonários e bilionários do mundo, têm uma renda maior que a África inteira. Todos os países da África, inclusive a África do Sul. A má distribuição da renda está piorando no mundo, nos últimos trinta anos. É necessário criar mecanismos, para corrigir esta má distribuição de renda e tirar da miséria, talvez, entre 20% e 30% da humanidade, que não tem acesso, sequer, a qualquer coisa que um pobre tem. A população pobre não tem acesso à água. É uma forma de reduzir a pobreza, fornecer qualidade de vida, que é saúde, educação, para aqueles que hoje não têm. Também, formular maneiras de se criar empregos legítimos. Não apenas empregos na época de Natal, quatro, cinco semanas, sazonal, mas empregos permanentes, seja na agricultura, ou nas cidades. Essa fórmula ainda não existe, tão eficientemente. Alguns países já deram exemplo de como fazer. Um deles é o Brasil. Nos últimos anos, o país conseguiu tirar da pobreza uma significativa parte da população. A China também conseguiu, por outro processo. Estabeleceu-se um sistema de construções, com departamentos, fábricas e trouxe, do meio rural, a mão-de-obra. Nas cidades, ela ganha mais, então, a renda aumentou, para aquela população.
O terceiro tema da governança do planeta é que já se constatou que os sistemas políticos atuais, a teoria do Estado atual é obsoleta. A teoria do Estado com três poderes, legislativo, executivo e judiciário é obsoleta. Ele foi formulado há três séculos. Então, é preciso ter outra forma de governança, que atenda o coletivo dos países. Será que um recurso do sistema multilateral pela ONU, ou será que no sistema interno dos países? Por exemplo, o Brasil tem três níveis de governança: a União, os estados e os municípios. Mas deveria haver outro nível, que seria para as megalópoles: Salvador, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Fortaleza... Cidades que não podem mais ser geridas, de forma nenhuma, por níveis municipais. Elas são conglomerados de municípios, portanto, o status não é de estado nem tão pouco de município. Então, está faltando uma governança de quarto nível, para um país como o Brasil. Seria uma governança em quarto nível. Então, este tipo de discussão é o terceiro item da Conferência Rio + 20.
Agora, como funcionaria a Rio + 20? Ela é um sistema de consultas, por consenso. Os representantes oficiais dos países, que são os Primeiros Ministros do mundo, ou Ministros, são representantes oficiais dos Estados: 194. Esse é o número do plenário. O plenário chega a uma conclusão, em menos de três dias, do que fazer sobre aqueles três temas de economia verde, redução da pobreza e governança. Para chegar a este plenário de três dias, aconteceram várias conferências preparatórias. Em Nova York, aconteceu a penúltima reunião preparatória do texto, que vai ser apresentado no plenário dos representantes dos países. Nestas Conferências, é onde as ideias sobre os temas são realmente conferidas. Qualquer idéia para estes três temas são apresentadas nas conferências preparatórias. Porque, para lidar com estes três temas, as reuniões preparatórias começaram há mais de dois anos. A cada seis meses, se encontram representantes e se discute o texto. Gigantescas políticas públicas que podem ser adotadas e, depois, serão levadas a plenário, para que os representantes maiores tomem as decisões de que se devem ser adotadas, ou não. Vou dar um exemplo. Já se discute, há alguns anos, o imposto sobre passagem aérea. Quem quer viajar terá que pagar um imposto de carbono. Não é taxa de aeroporto, que é para se usar o aeroporto. Taxa de carbono é o seguinte, por exemplo, se a sua viagem daqui a Salvador vai emitir gás carbônico para cada cadeira que está dento do avião. Então, se quiser viajar, paga-se uma taxa do carbono. E esta taxa seria, dentro da proposta, coletivamente juntada para criar programas que possam diminuir problemas, dentro daqueles três temas: economia verde, combate à pobreza e governança. Um super fundo alimentado por taxas pagas pela emissão de gás carbônico, em aviões. E que serão aplicadas naqueles países, ou populações, que não têm condição de fazer, por si próprios, estas melhorias. Este é um exemplo de política pública a ser discutido no plenário. Outro exemplo é o caso das formas de redução da pobreza. Tipo assim, será que as organizações multilaterais são suficientes para se reduzir a pobreza? O Fundo Monetário, o Banco Mundial, o Banco Central Europeu... Se olhar nos últimos anos, a pobreza aumentou. A pobreza está é aumentando. É preciso buscar novas formas de se reunir fundos mundiais, para se reduzir a pobreza, que não usem estas regras financeiras do Fundo Monetário Internacional. Qual outra forma? Seria um plano Marshall para a humanidade? Mas onde estaria o dinheiro? Ou seria uma forma em que países muito pobres teriam uma bolsa nacional, vinda dos países mais ricos, para eles se adequarem na educação, na saúde. Também, na emissão de gases de efeito estufa, por exemplo. Então, estas formas é que são governanças, que chegam ao plenário para serem discutidas.
O plenário não é a única parte da conferência. A conferência tem, ao lado do plenário, os eventos paralelos. São mais de seiscentas reuniões, em paralelo. Cada uma com duas horas de duração, com uma mesa de entidades especialistas no assunto em questão. Pode ser pequeno, mas reúne muita gente conhecedora daquele assunto. Uma sala de reunião com cinqüenta, oitenta, duzentas pessoas interessadas naquele tema específico. Ali, as ideias são repensadas, melhoradas ou canceladas, antes de ir para o plenário. Mais ou menos igual fazer uma feijoada. A lingüiça, para ir para a panela, tem que passar pela frigideira. Não se joga tudo direto em um panelão de feijoada. Tem uma frigideira antes. Assim, na conferência existem as reuniões paralelas. São mais de seiscentas e são interessantíssimas, porque elas trazem a experiência acumulada de cabeças, de várias regiões do mundo, sobre aquele determinado tema. Vou dar um tema, como exemplo: religião e natureza. O que tem de comum nisso? Tem que muitas religiões podem ajudar a implementar medidas, através da espiritualidade, na tese de que a Terra é o jardim do Senhor. Uma dimensão ética e de espiritualidade. Muitas pessoas se mobilizam e passam a ver a natureza por este lado. Muitas vezes, este lado da espiritualidade, do culto, da religião é mais forte e contribui para se adotar políticas mais humanas. Mas, em outros casos, a religião pode ter papel contrário. Nessas reuniões paralelas é que são discutidas estas questões. Algumas religiões cristãs pregam que a felicidade está é na Terra, e não em outro mundo. Portanto, defendem que há que se consumir, comprar o máximo possível de coisas. Este tipo de atitude religiosa prega um acesso direto à natureza. A destruição direta da natureza, para se conseguir atingir esse consumo. Este tipo de conflito e paradoxo das religiões é que é discutido na conferência. Outros exemplos são triviais, como a maneira de se fazer iluminação e o desenho de uma casa, para se evitar as emissões de gases de efeito estufa. O que você pode fazer numa construção, para que se utilize melhor a circulação do ar, dentro das colunas, para que não se precise do ar condicionado. Você pode fazer a ventilação da casa, sem precisar de um ar condicionado. Ainda se constroem casas com desperdício. Então, do lado de fora dessas reuniões paralelas, acontecem atividades empresariais, militantes de organizações sociais, como as indígenas ou de religiões, de setores, por exemplo, da mídia, então, essas organizações fazem parte da Conferência Rio + 20, embora elas não votem no plenário. Elas trazem pautas que são preocupações de certas parcelas da população. Por exemplo, a questão dos idosos. No mundo inteiro está aumentando a proporção de idosos. Com vai ser, no futuro, a questão de saúde, pobreza? O que fazer para que o idoso não seja um peso econômico na família. O desequilíbrio demográfico é uma questão que afeta tanto os temas da economia verde, quanto da redução da pobreza. Se não se achar soluções para a população, que daqui a trinta anos estará mais idosa, vai continuar havendo pobres. Não é o pobre jovem, mas é o pobre idoso. Então, são questões que se ligam, infinitamente. A população que está nas ruas é, proporcionalmente, mais idosa. Então, estes três fóruns é que são a Rio + 20 : o plenário, as reuniões paralelas e a militância em volta da conferência.
JOECO: O Brasil teria, nesta Conferência, algum papel de destaque? Quais as propostas principais que o Brasil vai conseguir aprovar, ou apresentar? O que pode ser consenso, dentro desta realidade, e o que poder ser também discordância? Para o senhor, quais são os temas mais polêmicos, para a Conferência Rio + 20?
Milton: Primeiro, o papel do Brasil nos últimos vinte anos foi o de um grande diplomata. O Brasil consegue fazer as partes se entenderem e, depois, eventualmente, chegarem a um acordo. O setor diplomático do Itamaraty tem um papel importante, em várias Conferências. Não só as do clima, mas em várias outras. Tem uma atitude respeitosa, nas relações diplomáticas.
As questões polêmicas estão em três áreas: Em primeiro lugar, a de se aumentar o uso de energias renováveis, para se evitar a emissão de gases de efeito estufa, com o respeito aos limites da natureza. Por exemplo, se faltar água dos rios, então, que se passe a respeitar o ecossistema daquele rio. Se for usar a cana de açúcar, então, que se respeite o cerrado, os aquíferos da região. Então, na área de economia, o Brasil já diminuiu e vai continuar diminuindo a emissão de gases de efeito estufa. E vai disponibilizar este conhecimento, para qualquer outro país que precisar. Evitar estabelecer patente para tudo quanto é coisa; disponibilizar o conhecimento de energias renováveis. Já na área de governança, o Brasil propõe o sistema multilateral, pois, se não houver o multilateral, vai haver o bilateral. No acordo bilateral o mais forte, economicamente e militarmente, é que vai dar as cartas. Se precisar de mais água, ele vai lá buscar e pronto. O Brasil vai reforçar a idéia do multilateral. Reforçar a presença da ONU e dos mecanismos financeiros, repaginados dentro destas resoluções da conferência. E quanto à questão da redução da pobreza, o Brasil vai fazer duas coisas. Primeiro, mostrar o que fez; dar exemplos. Segundo, insistir para que os países adotem estas políticas, de acordo com a realidade de cada um, evidentemente. Para que adotem estas políticas, urgentemente. Não deixar que aconteçam em um processo longo, demorado, que vai levar um século. O Brasil vai insistir com essa fórmula de que os países precisavam, a partir de agora, fazer políticas sobre a pobreza, com propósitos específicos. Em outras palavras, distribuir o bolo, enquanto se está assando, e não quando o bolo estiver pronto, do ponto de vista econômico. Vamos insistir na visão multilateral, de se criar um fórum para lidar com essas coisas e com a facilitação de acesso aos recursos, tecnologias e métodos de governança.