quarta-feira, 16 de maio de 2012

ARTIGO DE LAURA QUICK

  É com grata felicidade que nosso Jornal Oeocambiental estará publicando em nosso blog os artigos de Laura Quick. Por ocasião do debate na Faculdade de Direito da UFMG, nosso jornal publica  este seu primeiro artigo dentro de nossa proposta de estimular o debate e argumentação da sociedade civil acerca da Conferência Rio + 20. Nosso muito obrigado a Laura Quick, desejando-lhe muitas felicidades.

“A Simplicidade é o ultimo grau de sofisticação” Sempre me inspirei nessa frase de Da Vinci, pois meus pais buscam sempre me ensinar que a simplicidade, tida por muitos como uma fraqueza, é uma virtude que demonstra grandiosidade de espírito, consciência do essencial e sutileza. Mas infelizmente, hoje a frase me mostra uma realidade dura: viver de forma simples e em proximidade com a natureza é privilégio de poucos, de uma minoria sofisticada.
  Em uma metrópole, comer de forma saudável todos os dias, consumir alimentos frescos, praticar esportes, poder nadar em dias de extremo calor… é privilegio, para os poucos com renda suficiente. Rios foram poluídos e destruídos em prol de “progresso” e maior conforto. O calor no verão é de matar a não ser que se tenha dinheiro pra pagar um clube ou morar na praia, ao ganhar conforto se perde qualidade de vida. Comprar em um “sacolão” ou almoçar nos restaurantes de comida saudável é muito mais caro do que fazer refeições em um Mcdonalds e comprar enlatados… O sanduiche natural custa sempre mais que a coxinha, o suco natural mais que o refrigerante. Praticar esportes ao ar livre sai muito mais caro do que fazer musculação, há uma academia fechada em cada esquina por preços variados, enquanto quadras e piscinas se concentram em bairros ricos, prédios e condomínios.
   Fui criada no interior, com pomares e fazenda, quando me mudei para Belo Horizonte me pareceu estranho pagar caro pelo selo “Orgânicos”, ovos e frango “free range chicken” e carne de “boi-verde”. Estava acostumada a comer frutas direto da árvore, pegar as verduras na horta, ver as vacas pastando livres. Assistia assustada meu avô cortar o pescoço da galinha que saia correndo sem cabeça e depois acompanhava o processo de preparo ate ir pra panela (e quando pronto catava o fígado, o coração e a moela que não vem nos frangos de supermercado e viraram surpresinha). Eu pegava os ovos no ninho e deixava sempre um, porque vovó me ensinou que se ficar sem nenhum ovinho a mamãe galinha fica triste e não põe mais. Entretanto, tendo em vista a falta de respeito aos animais nas granjas e matadouros, e a quantidade absurda de agrotóxicos e transgênicos, para garantir uma super produção, suficiente para abastecer o mercado das grandes cidades por preços baixos, me parece justo o valor elevado que tais produtos tem, e o aumento crescente de Vegetarianos e Vegans na sociedade.
    Fico indignada com a falta de grandes áreas verdes para se estender uma toalha e fazer um pic nic, o parque municipal de Belo Horizonte e a maioria das praças pela cidade (como na maioria das cidades brasileiras que conheço) são concreto puro, e recentemente virou caso de policia invadir o gramado. Se gasta muito com concreto, em prol de uma “melhoria”, “modernização”, para cobrir o verde, o natural, que é o que se necessita e se busca hoje. É preciso ter dinheiro pra se chegar perto da natureza, os programas antes depreciados como “programa de índio”, hoje são os mais caros e procurados. A tendência dos jovens ricos agora é o turismo de aventura, o eco turismo, a busca pelas belezas naturais. A forma “primitiva” de relação com a natureza dos índios, que por não se relacionarem com a Terra de forma gananciosa foram subjugados e considerados inferiores, recebeu um nome da moda, “sustentabilidade”, o que mostra que eles sempre souberam como viver, só mais de 500 anos depois se começou a aprender com eles.
    Durante muito tempo, o objetivo de vida da maioria das pessoas era acumular bens, viver confortavelmente e elegantemente, comprar todos os eletrodomésticos do mercado para não ter que se ocupar com afazeres domésticos, ser bem-sucedido consistia em ter um emprego bem remunerado, mesmo que estressante, numa grandes cidade. Hoje se trabalha muito para ter a chance de viver em uma pequena casa, cheia de plantas, poder realizar cada simples coisa pessoalmente e com amor, passar tempo com os filhos e ter tranquilidade. Muitos acreditam que criar bem os filhos é prepara-los para um mundo competitivo, que a passagem no vestibular significa que se alcançou o sucesso em sua educação, que um curriculum “ideal” garante realização profissional. Assim, as escolas e cursos focados em aprovação no vestibular se tornaram os mais caros e procurados. Felizmente, vejo uma valorização crescente de escolas com uma pedagogia comprometida com princípios éticos, que ensina a cooperação, propõe uma infância sem cobrança, incentiva a imaginação e criatividade, valoriza as artes não apenas os números… Como as de pedagogia “Waldorf”, que crescem cada vez mais e cuja mensalidade é compreensivelmente alta. A busca por uma educação real, que molda indivíduos preparados para a vida, já que hoje todos reconhecem que um bom desenvolvimento emocional e cognitivo é mais eficaz do que qualquer curriculum para se alcançar a realização profissional e pessoal.
   Eu poderia escrever mais muitas paginas sobre tudo o que me dói e me falta em uma grande cidade e no estilo de vida majoritário do mundo atualmente. Hoje é caro e difícil viver de forma simples curtindo o que costumava ser e deveria ainda ser fácil e barato. Comprar produtos de empresas éticas e ecológicas como os certificados como “fair trade” é para poucos, ter liberdade e segurança é luxo de quem mora em regiões privilegiadas, reciclar o lixo se torna uma odisseia e andar de bicicleta é quase uma tentativa de suicídio. Me pergunto se essa inversão de valores é um mal necessário e temporário, para nos ensinar a dar valor ao que considerávamos garantido, nos punir por essa conduta e nos fazer voltar aos trilhos. Ou se é mais uma condição imposta pelo sistema econômico, pois sabem que os que amam e reconhecem o valor de coisas simples, essenciais e éticas, pagarão o que for e farão o que tiver ao seu alcance para viver de forma digna e com qualidade. Entretanto, me anima perceber que as pessoas estão começando a buscar uma nova forma de convivência cidadã, em harmonia com a natureza para viver bem, só nessa busca pela simplicidade (por mais custosa e árdua que possa ser) podemos recuperar a dignidade humana. Não se trata de um sonho regressivo e negação da tecnologia e praticidade atuais, mas o objetivo de usufruir de confortos conforme pautas éticas, e não excludentes. Laura Quick Lourenço de Lima

MINAS NA RIO + 20 - RIO PARA TODOS - EVENTO: A RIO + 20 E A JUSTIÇA AMBIENTAL

Foi realizado um debate na Faculdade de Direito da UFMG, nos eventos RIO PARA TODOS - MINAS NA RIO + 20, pela diretoria de extensão do Centro Academico Afonso Pena - Faculdade de Direito da UFMG, em parceria com o Jornal Oecoambiental.














Da esquerda para direita:  Poliane Janine, Maria Teresa,  Leonardo Custódio, Milton Nogueira - Foto: Jornal Oecoambiental
 
  Com a tematica “RIO+20 e a justiça Ambiental”, o debate contou com a participação de Luiz Claudio (Jornal Oecoambiental), Milton Nogueira (Representante ex funcionário da ONU), Maria Teresa Corujo (Representante da organização Aguas do Gandarella) e Poliane Janine (GEDA-grupo de estudos de direito ambiental), e foi coordenado por Leonardo Custodio, diretor de extensão do CAAP. Também estiveram presentes diversos segmentos da faculdade como o GEDAI (grupo de estudos de direito ambiental internacional), a AJUP (assessoria jurídica universitária e popular da UFMG) representada por Henrique Almeida, e diversos integrantes do programa POLOS de cidadania.


Participantes do debate - Foto: Jornal Oecoambiental

 Diversos temas foram abordados como o programa de Credito de carbono, os princípios de Direito internacional ambiental como o “Principio da precaução” e do “Poluidor- Pagador”, a proposta de criação de um segundo conselho de segurança da ONU, além das principais diretrizes da RIO+20. Foi discutida a proposta da UNESCO de criação de um GEOPARK na região do quadrilátero ferrífero que abrangeria a serra do Gandarella, a necessidade da gestão de recursos a fim de realizar os direitos humanos, e a ideia do direito ambiental não apenas como instrumento de proteção ecologica mas também de garantia de um acesso democrático.
  Um ponto polemico no debate foi acerca da visão do povo brasileiro como um povo ligitioso, tendo em vista o excesso de processos envolvendo o código de defesa do consumidor. O que gerou controvérsias e uma discussão acalorada sobre o saturamento do sistema judiciário e a defesa da importância das técnicas de conciliação e mediação como meio de desafogar o judiciário, conquistando assim espaço e atenção para causas urgentes como as de direito ambiental. A atuação da mídia, que compromete o acesso a um conteúdo informativo transparente sobre danos ambientais, encobrindo o que é realmente importante, e a negligencia das faculdades de direito em relação ao direito ambiental, também foram assunto de discussão tendo em vista o quanto tais fatos comprometem a mobilização e reflexão por parte da sociedade civil organizada e a justiça ambiental.
   Conceitos e teorias recentes foram discutidos em um sistema de freios e contrapesos. Considerou-se o ponto de vista sociológico, da importância da proteção ambiental para garantir a dignidade humana, e a pobreza e má distribuição de renda como comprometedoras da preservação. Ao mesmo tempo, fez-se a analise dos avanços constitucionais da Bolívia e outros países onde se reconhece a “Pacha Mama”, a própria natureza como sujeito de direitos, a proteção da natureza com um fim em si mesma. Assim como a falta de valorização no Brasil da pluralidade das culturas de comunidades quilombolas, indígenas e suas formas harmônicas e respeitosas de se relacionar com a natureza e a terra. Além do ideal do “Buen vivir”, que se opõe a ilusão de desenvolvimento transmitida a partir das estatísticas de ascensão da classe media, que refletem um aumento do consumo nos padrões europeus o que não significa maior qualidade de vida, e na realidade, compromete a sustentabilidade do planeta e afasta todos desse ideal.
  O encontro serviu de base para a formação de uma rede de contatos entre os alunos interessados no assunto e os convidados, e para a mobilização dos estudantes a fim de organizar uma comitiva da Faculdade de Direito da UFMG para participar da Cúpula dos Povos, um evento paralelo à RIO+20 que deverá reunir 30 mil agentes da sociedade civil nos mesmos dias da conferência, uma oportunidade única para os alunos do ponto de vista da mobilização social onde se poderá discutir com mais profundidade sobre os temas relacionados a connferencia e incentivar com essa participação a formação de profissionais do direito cada vez mais comprometidos com o meio ambiente e o art. 225 da nossa Constituição Federal.
(Laura Quick Lourenço de Lima – GEDAI - UFMG)

quarta-feira, 9 de maio de 2012

BRASIL NA RIO + 20 - ENTREVISTA COM MILTON NOGUEIRA - PARTE 1


     Milton Nogueira - Foto: Jornal Oecoambiental

Milton Nogueira – Engenheiro, especialista em mudanças climáticas e biodiversidade, consultor de meio ambiente em vários países, ex-funcionário da ONU, residiu em Viena – Áustria. Trabalhou na equipe no Programa Proálcool no Brasil. Concedeu esta entrevista exclusiva ao Jornal Oecoambiental, onde fala sobre a Conferência Rio + 20 e a Cúpula dos Povos.

JOECO: O Senhor é natural de onde?

Milton: Eu sou nascido em Nova Serrana, fui criado em Divinópolis, estudei em Ouro Preto. Fiz economia e desenvolvimento na PUC, isto, é a parte acadêmica. A partir daí, o mundo vai levando a gente a vários lugares. Fui para Brasília, Rio de Janeiro, Viena e, agora, depois de aposentado da ONU, de volta a BH. Mas, quando eu volto, tudo está mudado. Até a língua portuguesa mudou, nesse período de trinta anos.

JOECO: O senhor é especialista em biodiversidade e mudanças climáticas. O senhor considera que houve avanços na questão climática, na recente Conferência da ONU COP 17, em Durban, África do Sul?

Milton: Sim, houve, porque a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, tal como as demais conferências, é uma sucessão de passos cada vez mais compromissados, entre os países. Ela não é um campeonato de futebol, em que tem o momento do apito e, aí, surge um campeão. Ela é uma sucessão de negociações, cada vez com mais condições. Do mesmo tipo que noivado, casamento e família. A cada fase, tem um compromisso maior entre as partes. Em Durban, conseguiram duas coisas importantes. Praticamente finalizaram as negociações do acordo de compensação, por manter as florestas em pé, ou seja, pagar aos países que conseguiram, através de políticas públicas, manterem suas florestas em pé. E o segundo, foi adiar, por três anos, a primeira fase do Protocolo de Quioto, para dar tempo de negociar a fase seguinte, que é uma fase importante. Em Durban, também foi sinalizado que está passando a hora de se chegar a um acordo geral, que traga para a mesa de negociação os EUA e os grandes emissores do mundo, tais como a China, numa mesma regra. Então, foi um progresso político. Não é um progresso jornalístico, às vezes, mas é um progresso político, sim. No sentido de que, agora, existe uma regra multilateral para todos os países, porque é preciso ter uma forma de diminuir as emissões de gases de efeito estufa.

JOECO: Protocolo de Quioto estava ameaçado?

Milton: No fim de 2012, já deveria ser negociada a segunda fase do Protocolo. Ele não só vai continuar existindo, como vai continuar com metas mais ampliadas. Ele é um experimento político de cinco anos, para ver como os países reagiriam. E reagiram muito bem, com o mercado de crédito de carbono. Uma forma de diminuir as emissões de um país e de compensar em outro. Então, como teste, ele funcionou muito bem. O que vai haver agora é a expansão disso, para incluir EUA, Austrália e alguns países que não queriam fazer parte. Haverá mais três anos de negociação e, após este período, terá um protocolo com estas metas ambiciosas de emissão, por todos os países.

JOECO: O que é a Conferência Rio + 20 da ONU?

Milton: A Conferência Rio + 20 é uma Conferência das Nações Unidas, para discutir questões contemporâneas da economia mundial, da sociedade mundial. Por exemplo, a pobreza, o acesso aos recursos naturais. Ela vai, simultaneamente, discutir o meio ambiente, a economia verde, primeiro tema; a redução da pobreza, em segundo; em terceiro, como fazer o planeta funcionar em um novo formato, chamado governança do planeta. Estas propostas sobre economia verde visam, primeiro, diminuir o desperdício e o uso dos combustíveis fósseis. Países continentais, como o Brasil, usam um caminhão para transportar pedras, matéria prima, para grandes distâncias. Já deveria ter resolvido isso; existem meios energeticamente mais eficientes para isso. Além de matar menos pessoas nas estradas. Esse tipo de economia verde objetiva diminuir a quantidade de energia fóssil que é utilizada na economia nacional, tanto na agricultura, quanto no transporte, indústria, comércio, prefeituras, fazendas. Diminuir a intensidade de utilização de combustíveis fósseis é um pacote de medidas chamado de economia verde. Não tem nada a ver com árvore, nem com grama. Tem só no sentido de que, se você corta árvores, coloca mais gás carbônico na atmosfera. A economia verde é aquela que diminui os desperdícios de combustíveis fósseis na economia.
   Um segundo tema é a redução da pobreza. A pobreza aumenta no planeta, e, também, a distância dos mais ricos para os mais pobres. No mundo inteiro, cerca de cinco mil pessoas, os trilhonários e bilionários do mundo, têm uma renda maior que a África inteira. Todos os países da África, inclusive a África do Sul. A má distribuição da renda está piorando no mundo, nos últimos trinta anos. É necessário criar mecanismos, para corrigir esta má distribuição de renda e tirar da miséria, talvez, entre 20% e 30% da humanidade, que não tem acesso, sequer, a qualquer coisa que um pobre tem. A população pobre não tem acesso à água. É uma forma de reduzir a pobreza, fornecer qualidade de vida, que é saúde, educação, para aqueles que hoje não têm. Também, formular maneiras de se criar empregos legítimos. Não apenas empregos na época de Natal, quatro, cinco semanas, sazonal, mas empregos permanentes, seja na agricultura, ou nas cidades. Essa fórmula ainda não existe, tão eficientemente. Alguns países já deram exemplo de como fazer. Um deles é o Brasil. Nos últimos anos, o país conseguiu tirar da pobreza uma significativa parte da população. A China também conseguiu, por outro processo. Estabeleceu-se um sistema de construções, com departamentos, fábricas e trouxe, do meio rural, a mão-de-obra. Nas cidades, ela ganha mais, então, a renda aumentou, para aquela população.
   O terceiro tema da governança do planeta é que já se constatou que os sistemas políticos atuais, a teoria do Estado atual é obsoleta. A teoria do Estado com três poderes, legislativo, executivo e judiciário é obsoleta. Ele foi formulado há três séculos. Então, é preciso ter outra forma de governança, que atenda o coletivo dos países. Será que um recurso do sistema multilateral pela ONU, ou será que no sistema interno dos países? Por exemplo, o Brasil tem três níveis de governança: a União, os estados e os municípios. Mas deveria haver outro nível, que seria para as megalópoles: Salvador, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Fortaleza... Cidades que não podem mais ser geridas, de forma nenhuma, por níveis municipais. Elas são conglomerados de municípios, portanto, o status não é de estado nem tão pouco de município. Então, está faltando uma governança de quarto nível, para um país como o Brasil. Seria uma governança em quarto nível. Então, este tipo de discussão é o terceiro item da Conferência Rio + 20.
   Agora, como funcionaria a Rio + 20? Ela é um sistema de consultas, por consenso. Os representantes oficiais dos países, que são os Primeiros Ministros do mundo, ou Ministros, são representantes oficiais dos Estados: 194. Esse é o número do plenário. O plenário chega a uma conclusão, em menos de três dias, do que fazer sobre aqueles três temas de economia verde, redução da pobreza e governança. Para chegar a este plenário de três dias, aconteceram várias conferências preparatórias. Em Nova York, aconteceu a penúltima reunião preparatória do texto, que vai ser apresentado no plenário dos representantes dos países. Nestas Conferências, é onde as ideias sobre os temas são realmente conferidas. Qualquer idéia para estes três temas são apresentadas nas conferências preparatórias. Porque, para lidar com estes três temas, as reuniões preparatórias começaram há mais de dois anos. A cada seis meses, se encontram representantes e se discute o texto. Gigantescas políticas públicas que podem ser adotadas e, depois, serão levadas a plenário, para que os representantes maiores tomem as decisões de que se devem ser adotadas, ou não. Vou dar um exemplo. Já se discute, há alguns anos, o imposto sobre passagem aérea. Quem quer viajar terá que pagar um imposto de carbono. Não é taxa de aeroporto, que é para se usar o aeroporto. Taxa de carbono é o seguinte, por exemplo, se a sua viagem daqui a Salvador vai emitir gás carbônico para cada cadeira que está dento do avião. Então, se quiser viajar, paga-se uma taxa do carbono. E esta taxa seria, dentro da proposta, coletivamente juntada para criar programas que possam diminuir problemas, dentro daqueles três temas: economia verde, combate à pobreza e governança. Um super fundo alimentado por taxas pagas pela emissão de gás carbônico, em aviões. E que serão aplicadas naqueles países, ou populações, que não têm condição de fazer, por si próprios, estas melhorias. Este é um exemplo de política pública a ser discutido no plenário. Outro exemplo é o caso das formas de redução da pobreza. Tipo assim, será que as organizações multilaterais são suficientes para se reduzir a pobreza? O Fundo Monetário, o Banco Mundial, o Banco Central Europeu... Se olhar nos últimos anos, a pobreza aumentou. A pobreza está é aumentando. É preciso buscar novas formas de se reunir fundos mundiais, para se reduzir a pobreza, que não usem estas regras financeiras do Fundo Monetário Internacional. Qual outra forma? Seria um plano Marshall para a humanidade? Mas onde estaria o dinheiro? Ou seria uma forma em que países muito pobres teriam uma bolsa nacional, vinda dos países mais ricos, para eles se adequarem na educação, na saúde. Também, na emissão de gases de efeito estufa, por exemplo. Então, estas formas é que são governanças, que chegam ao plenário para serem discutidas.
   O plenário não é a única parte da conferência. A conferência tem, ao lado do plenário, os eventos paralelos. São mais de seiscentas reuniões, em paralelo. Cada uma com duas horas de duração, com uma mesa de entidades especialistas no assunto em questão. Pode ser pequeno, mas reúne muita gente conhecedora daquele assunto. Uma sala de reunião com cinqüenta, oitenta, duzentas pessoas interessadas naquele tema específico. Ali, as ideias são repensadas, melhoradas ou canceladas, antes de ir para o plenário. Mais ou menos igual fazer uma feijoada. A lingüiça, para ir para a panela, tem que passar pela frigideira. Não se joga tudo direto em um panelão de feijoada. Tem uma frigideira antes. Assim, na conferência existem as reuniões paralelas. São mais de seiscentas e são interessantíssimas, porque elas trazem a experiência acumulada de cabeças, de várias regiões do mundo, sobre aquele determinado tema. Vou dar um tema, como exemplo: religião e natureza. O que tem de comum nisso? Tem que muitas religiões podem ajudar a implementar medidas, através da espiritualidade, na tese de que a Terra é o jardim do Senhor. Uma dimensão ética e de espiritualidade. Muitas pessoas se mobilizam e passam a ver a natureza por este lado. Muitas vezes, este lado da espiritualidade, do culto, da religião é mais forte e contribui para se adotar políticas mais humanas. Mas, em outros casos, a religião pode ter papel contrário. Nessas reuniões paralelas é que são discutidas estas questões. Algumas religiões cristãs pregam que a felicidade está é na Terra, e não em outro mundo. Portanto, defendem que há que se consumir, comprar o máximo possível de coisas. Este tipo de atitude religiosa prega um acesso direto à natureza. A destruição direta da natureza, para se conseguir atingir esse consumo. Este tipo de conflito e paradoxo das religiões é que é discutido na conferência. Outros exemplos são triviais, como a maneira de se fazer iluminação e o desenho de uma casa, para se evitar as emissões de gases de efeito estufa. O que você pode fazer numa construção, para que se utilize melhor a circulação do ar, dentro das colunas, para que não se precise do ar condicionado. Você pode fazer a ventilação da casa, sem precisar de um ar condicionado. Ainda se constroem casas com desperdício. Então, do lado de fora dessas reuniões paralelas, acontecem atividades empresariais, militantes de organizações sociais, como as indígenas ou de religiões, de setores, por exemplo, da mídia, então, essas organizações fazem parte da Conferência Rio + 20, embora elas não votem no plenário. Elas trazem pautas que são preocupações de certas parcelas da população. Por exemplo, a questão dos idosos. No mundo inteiro está aumentando a proporção de idosos. Com vai ser, no futuro, a questão de saúde, pobreza? O que fazer para que o idoso não seja um peso econômico na família. O desequilíbrio demográfico é uma questão que afeta tanto os temas da economia verde, quanto da redução da pobreza. Se não se achar soluções para a população, que daqui a trinta anos estará mais idosa, vai continuar havendo pobres. Não é o pobre jovem, mas é o pobre idoso. Então, são questões que se ligam, infinitamente. A população que está nas ruas é, proporcionalmente, mais idosa. Então, estes três fóruns é que são a Rio + 20 : o plenário, as reuniões paralelas e a militância em volta da conferência.

JOECO: O Brasil teria, nesta Conferência, algum papel de destaque? Quais as propostas principais que o Brasil vai conseguir aprovar, ou apresentar? O que pode ser consenso, dentro desta realidade, e o que poder ser também discordância? Para o senhor, quais são os temas mais polêmicos, para a Conferência Rio + 20?

Milton: Primeiro, o papel do Brasil nos últimos vinte anos foi o de um grande diplomata. O Brasil consegue fazer as partes se entenderem e, depois, eventualmente, chegarem a um acordo. O setor diplomático do Itamaraty tem um papel importante, em várias Conferências. Não só as do clima, mas em várias outras. Tem uma atitude respeitosa, nas relações diplomáticas.
   As questões polêmicas estão em três áreas: Em primeiro lugar, a de se aumentar o uso de energias renováveis, para se evitar a emissão de gases de efeito estufa, com o respeito aos limites da natureza. Por exemplo, se faltar água dos rios, então, que se passe a respeitar o ecossistema daquele rio. Se for usar a cana de açúcar, então, que se respeite o cerrado, os aquíferos da região. Então, na área de economia, o Brasil já diminuiu e vai continuar diminuindo a emissão de gases de efeito estufa. E vai disponibilizar este conhecimento, para qualquer outro país que precisar. Evitar estabelecer patente para tudo quanto é coisa; disponibilizar o conhecimento de energias renováveis. Já na área de governança, o Brasil propõe o sistema multilateral, pois, se não houver o multilateral, vai haver o bilateral. No acordo bilateral o mais forte, economicamente e militarmente, é que vai dar as cartas. Se precisar de mais água, ele vai lá buscar e pronto. O Brasil vai reforçar a idéia do multilateral. Reforçar a presença da ONU e dos mecanismos financeiros, repaginados dentro destas resoluções da conferência. E quanto à questão da redução da pobreza, o Brasil vai fazer duas coisas. Primeiro, mostrar o que fez; dar exemplos. Segundo, insistir para que os países adotem estas políticas, de acordo com a realidade de cada um, evidentemente. Para que adotem estas políticas, urgentemente. Não deixar que aconteçam em um processo longo, demorado, que vai levar um século. O Brasil vai insistir com essa fórmula de que os países precisavam, a partir de agora, fazer políticas sobre a pobreza, com propósitos específicos. Em outras palavras, distribuir o bolo, enquanto se está assando, e não quando o bolo estiver pronto, do ponto de vista econômico. Vamos insistir na visão multilateral, de se criar um fórum para lidar com essas coisas e com a facilitação de acesso aos recursos, tecnologias e métodos de governança.

terça-feira, 8 de maio de 2012

RIO PARA TODOS - MINAS NA RIO + 20 - PALESTRA DE FREI BETTO

   O Jornal Oecoambiental promoveu em parceria com o Sitraemg – Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal do Estado de MG – com apoio do Sindicato dos Metalúrgicos de BH e Contagem, Sinttel/MG, Sindagua, Sindicato dos Vigilantes de MG, Movimento pela Criação do Parque Nacional da Serra da Gandarela, CAAP – Centro Acadêmico Afonso Pena – Escola de Direito da UMFG, CACS – Centro Acadêmico de Ciências Sociais da UFMG, NESTH – Núcleo de Estudos Sobre o Trabalho Humano da UFMG o evento: RIO PARA TODOS em Defesa da Vida, do Meio Ambiente, pela Justiça Ambiental – MINAS NA RIO + 20.


Evento Rio Para Todos - Minas na Rio + 20 - Foto: Irinei Lima/Sitraemg

No dia 21 de abril, com a presença de várias lideranças dos movimentos socioambientais de MG, aconteceu uma palestra de Frei Betto, com o tema: “ A participação da Sociedade Civil na Cúpula dos Povos e na Rio + 20”. Foi um momento de reflexão sobre a conjuntura socioambiental global. Acompanhe pelo nosso blog os principais momentos deste debate. Nosso objetivo é estimular a participação da sociedade civil na Cúpula dos Povos e na Rio + 20. Envie suas sugestões, comentários matérias, artigos sobre estes importantes eventos que o Brasil sediará em junho de 2012.

Público RIO PARA TODOS - MINAS NA RIO + 20 - Foto: Irinei Lima/Sitraemg


Um dos temas da Conferência Rio + 20 é o combate a pobreza no mundo. Sobre o que o ser humano tem feito para vencer a pobreza no mundo, Frei Betto afirmou:

“Desenvolvemos uma tecnologia que permitiu ao ser humano colocar os pés na lua, mas não desenvolvemos recursos para colocar arroz, feijão, cereais, legumes na barriga de uma criança faminta da África ou do Brasil.” Afirmou Frei Betto. A tecnologia e a ciência não são acessíveis à maioria da população mundial. Elas são produtos de luxo para quem pode pagar por isso. Para uns poucos o luxo para muitos o lixo.”   Frei Betto argumentou que em janeiro de 2010 foi convidado, pelos povos indígenas, a participar de um evento de cinco dias no Equador, “que é um dos países indígenas da América Latina, ou seja, onde existe uma população predominantemente indígena, assim como Guatemala e Bolívia”. Frei Betto foi apresentado a filosofia do movimento Bem Viver, que é traduzido em Vida em Plenitude. O termo vem da língua Quéchua, dos indígenas Andinos: SUMAK KAWSAY (SUMAK significa plenitude e KAWSAY, viver). Frei Betto afirmou: “há um consenso que o maior degradador ambiental é o sistema capitalista. A lógica do sistema capitalista é devastadora para o ambiente todo, não só para o meio ambiente.” Segundo Frei Betto, “diante o antagonismo entre preservação ambiental e capitalismo, já se busca do ponto de vista social mundial, o que se fala como: outro mundo possível. Hoje a tendência é falar em outros mundos possíveis. Vários modelos de sociedade que tenham como paradigma a biodiversidade – a preservação de todas as formas de vida.”  Ele afirmou durante sua palestra que o resgate do Bem Viver é uma concepção originária dos povos que constituem a raiz da América Latina, os povos indígenas. Esta é uma filosofia de vida principalmente das Nações Quéchua e Aymara, que predominam ao longo da Cordilheira dos Andes. No Equador predomina a cultura Quéchua e na Bolívia a cultura Aymara. Nesta filosofia o mais importante não é o crescimento econômico, não é o desenvolvimento. O mais importante é ser feliz. O Bem Viver trata-se de viver melhor. Não de ficar mais rico, de desenvolver tecnologias sofisticadas, mas viver melhor. Esta concepção teve um avanço importante, porque foi incorporada às Constituições do Equador e da Bolívia. Os pontos básicos da Vida em Plenitude:
1- Estabelecer relações de reciprocidade entre as pessoas e entre as pessoas e a natureza. A nossa relação com a natureza é uma relação de sujeito-objeto. Só povos indígenas ainda aldeados conseguem ter uma relação com a natureza de sujeito a sujeito. A relação que nós mantemos hoje no sistema capitalista é uma relação de mercado. É uma relação de venda e compra. Uma relação que passa por um mediador que é a moeda. O capitalismo olha para a natureza como algo que deve ser rentável. Não como algo que deve ser preservado.
2- Viver em harmonia consigo mesmo; com as outras pessoas; com os grupos diferentes; com a terra; que na cultura andina é chamada de Pachamama, a Mãe Terra; com os filhos de outras espécies e com os espíritos, com o transcendente.