segunda-feira, 9 de maio de 2016

SOCIOLOGIA AMBIENTAL por ELENA STEINHORST DAMASCENO

 

 Visando estimular a produção de conhecimentos na área de sociologia e meio ambiente, postamos a segunda parte do artigo de Elena Steinhorst Damasceno. Nossos agradecimentos a Elena Steinhorst. 


SOCIOLOGIA AMBIENTAL: um campo de pesquisa em consolidação 


   Elena Steinhorst Damasceno


Continuação - Segunda Parte

   Enfoques teóricos contemporâneos na Sociologia Ambiental

    Hanningan (2009) faz um excelente apanhados sobre enfoques teóricos contemporâneos na Sociologia Ambiental. O autor menciona “queda do determinismo geográfico e biológico” e a “relação entre a teoria sociológica clássica e o meio ambiente”, nas teorias de Durkheim e Weber, como sendo os primórdios das diferenciações teóricas que acarretaram na consolidação da sociologia ambiental.  Segundo Hannigan, Marx é inocentado por Jonh Bellamy Foster, que reitera a visão marxista na relação sociedade e ambiente.
    Em direção a uma sociologia ambiental emergente (1970-2005) algumas produções foram marcos históricos importantes na sociologia ambiental, como o livro  A Primavera silenciosa (CARSON, 1962), o relatório Os limites do crescimento (MEADOWS, 1972) e o Movimento pela Justiça Ambiental (TAYLOR, 2000). (HANNIGAN, 2009 p. 27).
    Hannigan (2009 p. 29) destaca, em relação às “linhagens” contemporâneas da Sociologia Ambiental, que Dunlap e colaboradores descrevem sobre riqueza e a diversidade do trabalho sociológico relacionado ao meio ambiente físico, e afirma que há ao menos nove paradigmas distintos em competição: a ecologia humana, a economia política, o construcionismo social, o realismo crítico, a modernização ecológica, a teoria da sociedade de risco, a justiça ambiental, a teoria ator-rede e a ecologia política.
   HERCULANO (2000, p.5), baseada em Catton e Dunlap (1978), afirma que quando a Sociologia Ambiental surgiu no contexto norte americano, tinha a ambição de 6 propor uma mudança paradigmática, não apenas para a Sociologia Ambiental, mas para a Sociologia em geral. Segundo a autora, Catton e Dunlap (1978) “criticavam o antropocentrismo do pensamento sociológico, que ter-se-ia descartado da variável ambiental, ignorando que esta constrange e interage com as demais variáveis já contempladas pela Sociologia”. A proposta apresentada sugeria a transição do paradigma HEP ("Human Exemptionalim Paradigm"), traduzido por “paradigma da excepcionalidade e da supremacia humanas”, que determinava o “descolamento e independência da natureza”, para o paradigma NEP (“Nature Environmental Paradigm”), no qual estaria incluído o ambiente físico como uma das variáveis do sistema social, o que tornaria o enfoque mais adequado para estudos sobre: a escassez, o declínio da qualidade de vida e o aumento dos custos ambientais. Dentre os sociólogos chamados por Hannigan (2009, p. 18) de “propagandistas do desenvolvimento e progresso”, são citados na corrente da Modernização ecológica Catton e Dunlap (1978); e Inkeles e Smith (1974).
   Hannigan (2009, p.35) aponta os Enfoques teóricos contemporâneos para a sociologia ambiental, a partir de seu surgimento como discreta área disciplinar na década de 1970. Segundo ele, são percebidos dois enfoques para o meio ambiente: as “funções de competição ambiental”, Catton e Dunlap (1978) e a “dialética socioambiental” e “cadeia de produção”, Alan Schnaiberg (1980), ambas enfocam a estrutura e a mudança social. No correr do tempo estes enfoques teriam evoluído para duas perspectivas contrastantes: a “modernização reflexiva” e a “modernização ecológica”. Hannigan se propõem ir além do dualismo, discute a relevância do debate sobre o realismo/construtivismo e aponta o “modelo coconstrucionista de sociedade”.
    Para Hannigan (2009 p.48-49), Mol e Spaargaren oferecem uma versão revisionista da modernização ecológica e consideram que o capitalismo tem “evoluído” em uma direção “mais verde”, exemplificado pelos instrumentos baseados no mercado, como exemplo os créditos negociáveis de poluição. 2 Nesta direção, segundo May (2011, p.170):
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    2 A chamada “economia verde” utiliza mecanismos de mercado, como os de compra e venda de créditos de carbono, os Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), Redução de Emissões oriundas do Desmatamento e da Degradação de Florestas (REDD), inclusos no discurso do Desenvolvimento Sustentável. 7 Para alcançar uma “economia verde” é necessário assegurar a redução da utilização de materiais e energia no processo produtivo de modo a permitir que a sociedade prospere sem necessariamente crescer (Daly, 1996, Jackson, 2009 e Victor, 2008). Por outro lado, atores sociais destituídos das benesses do capitalismo moderno – devido à má distribuição de riquezas – podem alcançar patamares de consumo mais elevados sem, no entanto, esgotar o capital natural. Assim sendo, as metas, aparentemente contraditórias, de decrescimento no Norte e “esverdeamento” do crescimento (com equidade) no Sul representam a base para um diálogo propositivo em torno de um futuro sustentável e, além disso, configuram a plataforma para debate na Rio+20.
   Hannigan (2009, p. 61) dá importante destaque ao “Discurso Ambiental”. Inicia estudando o discurso ambiental para, em seguida, verificar “uma tipologia do discurso ambientalista”, destacando os discursos de “ecossistema” e de “justiça ambiental”:
    Recentemente a análise do discurso surgiu como um método de influencia crescente para analisar a produção, recepção e uso estratégico de textos ambientais, imagens e ideias. Apesar de identificada como próxima do construcionismo social, a análise do discurso tem sido praticada com bons resultados por seguidores de outras “escolas” da teoria e da pesquisa ambiental, principalmente críticos teóricos, ecologistas políticos e analistas de políticas internacionais.
    Em Discurso, relações de poder e ecologia política, Hanningan (2009 p.85) enfatiza que “É realmente difícil falar sobre o discurso atualmente sem entrar numa discussão sobre poder” e cita Michael Foucault, na inevitável relação entre discurso e ecologia política – a “nova ecologia política” ou “ecologia política contemporânea” são postas em destaque. O autor exemplifica, por meio de um estudo de caso da privatização da água, no qual os hidrômetros podem ser comparados a conta-gotas, demonstrando a relação econômica para com a natureza: pagar para usar ou a água como fonte de lucro.
   Para Mol e Spaargaren (2005, p. 28), existem diversos fatores que podem ajudar a explicar a recente reaproximação entre a Sociologia Geral e a Sociologia Ambiental:
   Esta convergência pode ser explicada primeiramente pelo interesse comum no emergente debate sobre globalização e mudança (ambiental) global. Para a Sociologia Geral, a mudança climática e os outros problemas ambientais eram freqüentemente discutidos como exemplos ou mesmo lições ilustrativas da nova dinâmica de mudanças em uma modernidade global e, especialmente, dos novos papéis de instituições-chave como ciência e tecnologia, e o Estado-nação (vide teoria da modernização reflexiva, teoria da sociedade de risco, construtivismo social). Nas Ciências (sociais) ambientais, a crescente atenção dada à poluição atmosférica (acidificação) que ultrapassava fronteiras foi o principal fator a desencadear o desenvolvimento da nova agenda dos anos 90, geralmente chamada de Mudança Ambiental Global. Esta agenda – impulsionada pelo IPCC3 e, particularmente, por
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 3 IPCC é a sigla para Intergovernmental Panel on Climate Change, em português, Painel Intergovenamental sobre Mudanças Climáticas. O IPCC é um é um corpo científico, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU) que analisa e avalia a informação científica, técnica e sócioeconômica mais recentemente produzida no mundo relevante para a compreensão das mudanças climáticas. Ver: http://www.ipcc.ch/organization/organization.shtml#.UX9k67WA8Wk

ONGs ambientais globais – enfatizava novamente o importante, porém complicado, papel da ciência e tecnologia no gerenciamento da mudança ambiental global, e ressaltava os novos papéis dos Estados-nações que precisavam dar espaço para atores e negociações operando tanto na arena internacional/global como na arena local. Assim, a partir dos anos 90, tanto a Sociologia Geral como a Ambiental passam a se interessar pela compreensão da dinâmica específica do global em relação ao local no direcionamento da mudança (ambiental) global. (...) O segundo e mais recente importante fator a contribuir para a convergência das Sociologias Geral e Ambiental é a emergência, no interior da Sociologia Geral, de uma perspectiva teórica na qual os sistemas sociais são abordados em termos de redes e fluxos.
   Nessa perspectiva Hannigan (2009) e Mol e Spaargaren (2005) parecem concordar sobre papel da mídia como fator essencial ao destaque do “problema ambiental” nas agendas políticas no mundo todo. Ademais, sobre a Mídia e comunicação ambiental, Hannigan (2009, p. 121) destaca a importância da mídia nas questões ambientais, pois muitas vezes:
    Para passar os problemas ambientais da condição de questão para uma política pública, a visibilidade da mídia é crucial. Sem a cobertura da mídia, as possibilidades que um problema prévio possa entrar numa arena do discurso público ou se tornar parte do processo político, são bastante reduzidas.
   O autor destaca as “Rotinas e limites organizacionais”, “o discurso da mídia”, “a mídia de massa e cobertura de notícias ambientais”, “a produção de notícias ambientais”, “a construção de descrições ambientais “ganhadoras” na mídia” e “discurso ambiental mediado pela massa” como fatores, relacionados à publicidade dos fatos, importantes de serem observados na construção de um problema ambiental (HANNIGAN, 2009, p.122-140).
    Outras duas perspectivas são destacadas por Haningan (2009, p. 43), as “normativas do modernismo” e a do “desenvolvimento ambiental”. O autor segue, delimitando os enfoques teóricos, para a tese da sociedade de risco, de Ulrich Beck, e para a “modernização ecológica” e aponta o que considera uma controvérsia maior: o realismo versus o debate do construcionismo. O ponto alto da discussão está na necessidade de transcendência da separação natureza/cultura, chamado por Hanningan de coconstrucionismo e a análise da socionatureza. (HANNIGAN, 2009 p. 57)
   Colocando em prática o construcionismo, outro enfoque teórico, em A construção social das questões e problemas ambientais Hanningan enfatiza as diferenças e semelhanças entre os problemas sociais e ambientais e justifica o construcionismo como uma ferramenta analítica. Cita, ainda, Malcolm Spector e Jonh Kitsuse (1973) como autores cujo enfoque está na estrutura funcional e destaca os processos e tarefas importantes na construção social dos problemas ambientais. A “apresentação e contestação de argumentos ambientais” servem como uma espécie de instrumento para determinado público para os argumentos ambientais. Hannigan indica os “fatores necessários para uma construção bem-sucedida de um problema ambiental” (HANNIGAN, 2009, p.117).
   Outro relevante enfoque contemporâneo da Sociologia Ambiental é o enfoque do Risco, inspirado na teoria da Sociedade de Risco de Ulrich Beck, porém relativizadas pela postura cultural e “menos apocalíptica” de Mary Douglas (HANNINGAN, 2009, p. 161). Um tipo de análise de Risco pode ser exemplificada, através do caso do salmão criado em cativeiro, nos EUA, no qual se constatou que o consumo do peixe excederia em 100 vezes a quantidade da substância cancerígena suportável para o ser humano em seu tempo de vida. Essa análise verifica basicamente os riscos para os seres humanos. Hannigan (2009) avalia ainda outras “perspectivas sociológicas do risco”: o “risco e cultura”, a “definição social do risco”, as “arenas de construção do risco”, o “poder e construção social do risco ambiental” e a “construção do risco numa perspectiva nacional”.
    Hannigan (2009) aponta a “perda da biodiversidade” como temática que se transformou em uma “carreira” de sucesso de um problema ambiental global. Fala do problema da perda da biodiversidade em si, explica o conceito e aponta que este, junto com o “aquecimento global”, é o tópico mais “quente”, relacionado aos problemas ambientais atualmente, ou seja, um tema da moda em Sociologia Ambiental. A partir dessa “carreira” o autor utiliza sua metodologia de construção de um problema ambiental apresentando os fatores contextuais, reunindo argumentação, apresentando o argumento e contestando o argumento (HANNIGAN, 2009, p. 182-190).
    Hannigan (2009) destaca sua percepção (teórico/prática) acerca da questão ambiental que seguiria em direção a um modelo “emergente” de meio ambiente e sociedade. Primeiro ele alerta acerca de uma “zona sinistra”, exemplificada pelos os efeitos ambientais e sociais do grande desastre Tsunami da Tailândia. A partir do exemplo, o autor demonstra as “fundações sociológicas da emergência”, os “elementos 10 emergentes nos movimentos sociais e organizações de movimento social”; o “aprendizado social como um processo emergente”; e uma fundamental dimensão da questão ambiental na atualidade: “as incertezas emergentes” (HANNIGAN, 2009, p. 197-214).
   Hannigan conclui que qualquer tentativa nova na perspectiva da sociologia ambiental necessita confrontar a “divisão sociedade-natureza”. Destaca a emergência de novos esforços para as relações de análise socioambiental e percebe o desafio de reconciliar o macro com os dados mais particularizados de análise. O autor sugere a “teoria da emergência” como moldura para as análises dos problemas ambientais futuros (HANNIGAN, 2009, p. 216).

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