SOCIOLOGIA E MEIO AMBIENTE
SOCIOLOGIA AMBIENTAL: um campo de pesquisa em
consolidação
Elena Steinhorst Damasceno
( PRIMEIRA PARTE)
RESUMO: este artigo tem por objetivo fazer uma breve revisão sobre as pesquisas
em Sociologia Ambiental. São utilizadas como referências principais Buttel (1978),
Hannigan (2009), Herculano (2000), Ferreira (2002, 2004), Mol e Spaargaren
(2005), Lenzi (2005, 2007), Guivant (2005) e Moraes (2005) dentre outras que
juntas formam o estado da arte sobre o tema. A Sociologia Ambiental como um
campo de pesquisa é uma área relativamente nova da Sociologia e se encontra em
fase de consolidação. Possuindo uma diversidade de orientações teóricometodológicas
em disputa, enfrenta o desafio epistemológico da “transposição
disciplinar” e da “divisão homem-natureza”. Tendo em vista a emergência da crise
ambiental, observa-se, por meio desta revisão, o avanço monumental da
“subdisciplina” nas últimas décadas e a diversidade de abordagens que nela cabem.
INTRODUÇÃO
O objetivo inicial deste artigo é fazer uma breve revisão sobre as pesquisas em
Sociologia Ambiental. São utilizadas como referencias principais Buttel (1978),
Hannigan (2009), Herculano (2000), Ferreira (2002, 2004), Mol e Spaargaren (2005),
Lenzi (2005, 2007), Guivant (2005) e Moraes (2005) dentre outras que juntas formam o
estado da arte sobre o tema.
Primeiramente, a Sociologia Ambiental como um campo de pesquisa é uma área
relativamente nova da Sociologia, que se encontra em fase de consolidação, possuindo
uma diversidade de orientações teórico-metodológicas em disputa. Ferreira (2002, p. 1)
afirmava que o número de pesquisas científicas sobre a interrelação entre a sociedade e
o ambiente estava aumentando rapidamente em todo o mundo, o que era confirmado
pela crescente proliferação de contribuições das mais diversas áreas de especialização: o
que foi chamado, genericamente, de "problemas ambientais" tornou-se importante
preocupação, embora restrita a determinados grupos, segundo a autora. Para Herculano (2000) a Sociologia Ambiental seria uma subdisciplina integradora, que já nasceu
fecunda e resultante de múltiplas inspirações.
A SOCIOLOGIA AMBIENTAL EM CONSTRUÇÃO
Segundo Herculano (2000, p. 2), em referência a Buttel (1996), a Sociologia
Ambiental não seria “tão nova”, se tivermos por parâmetro um amálgama de áreas e
“subdisciplinas” já sedimentadas há décadas. Entre essas, que teriam contribuído para a
formação da sociologia ambiental contemporânea, estaria a Ecologia Humana, que
surgiu como estudo da mudança entre o rural e o urbano, porém, “nunca chegou a dar
importância aos fatores ambientais em sentido estrito”, “tratava de ver como o meio
físico da cidade atuava no comportamento das pessoas” e “criava uma cultura específica
e estava limitada ao foco da cooperação competitiva na organização espacial de
populações metropolitanas”. Outra subdisciplina contribuinte é a Sociologia Rural que,
segundo a autora, seria embasada na geografia e na antropologia econômicas, mas
estudaria as “comunidades diretamente dependentes de recursos naturais”, tais como
pescadores, extrativistas, agricultores, lavradores, etc. A Sociologia dos Recursos
Naturais seria mais uma que, “estudando a gestão do meio ambiente, este entendido
enquanto recursos naturais”, abarcaria os estudos sobre política de terras públicas,
planejamento de usos da terra, a gestão das unidades de conservação, incluídos parques
e áreas de lazer. Herculano (2000, p. 3) acrescenta à lista de subdisciplinas, sugerida por
Buttel, que teriam contribuído para a formação da Sociologia Ambiental, a Psicologia
Social e a Antropologia Cultural, “com estudos sobre atitudes e valores”; a Sociologia
dos Movimentos Sociais, “enfocando novos sujeitos coletivos, suas agendas de lutas e os
conflitos dos diversos agentes sociais”; a Sociologia do Desenvolvimento, “esta última
na sua vertente marxista, questionadora do mito do desenvolvimento”; e a Sociologia
Urbana, “sobre o meio ambiente construído”.
Hannigan (2009, p. 15), em seu livro Sociologia Ambiental, trata da “chamada
subdisciplina” em termos de uma retrospectiva quanto ao pensamento na área, assim
como da sociologia ambiental enquanto campo de pesquisa. O autor delimita o “Dia da
Terra”, manifestação ambientalista nos EUA que culmina com a criação da Agencia de
Proteção Ambiental, a primeira do país, como marco que inicia o que o autor chama de
“década ambiental”, nos anos 1970.
Herculano (2000, p.3-4) aponta que, no final da década de 1970, a seção sobre
Sociologia Ambiental da ASA (Associação Norte-Americana de Sociologia) já contava
com 321 membros. Após um breve declínio nos anos 1980, a Sociologia Ambiental
norte-americana e mundial se revitalizam, proporcionalmente ao aprofundamento em
relação à percepção dos problemas ambientais:
em lugar da degradação ambiental ser percebida como um problema estético,
passou a ser vista como ameaça à saúde e ao bem-estar e enquanto um risco
tecnológico (o lixo tóxico em Love Canal, os acidentes nucleares de Three
Mile Island, de Bhopal e de Chernobyl, a descoberta da destruição
progressiva da camada de ozônio, tudo isso passou a ser visto como indícios
de ameaças definitivas à sobrevivência humana e planetária). Nos anos 90,
finalmente, a questão ambiental passou a ganhar uma dimensão mais
complexa e uma institucionalidade global. A partir da realização da
Conferência da ONU para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, no Rio de
Janeiro, em 1992 (CNUMAD ou UNCED), foi criada a Comissão para o
Desenvolvimento Sustentável, na ONU, e um Fundo Geral para o Meio
Ambiente - GEF. As alterações climáticas causadas pela produção humana
passaram a ser definidas como a grande questão ambiental ("global
environmental change"- GEC). Comissões e grupos de estudos acadêmicos e
intergovernamentais têm sido formados desde então, aproximando cientistas
naturais e sociais, para se ganhar entendimento sobre as dimensões humanas
das alterações climáticas e do aquecimento global.
Guivant (2005, p.11) afirma que Catton e Dunlap foram pioneiros na Sociologia
Ambiental, tendo inclusive cunhado o termo:
Mas eles também abriram dentro da incipiente Sociologia Ambiental o debate
entre posições realistas e construtivistas sociais que, apesar de nem sempre
acontecer de forma explícita, atravessa a Sociologia Ambiental. Os realistas,
dentro dos quais Catton e Dunlap se situavam, defendem a existência objetiva
dos problemas ambientais, independentemente da forma em que os atores
sociais os percebem. A crítica construtivista foi realizada por Frederick Buttel
(1978), que passaria a ser um dos mais destacados sociólogos ambientais.
Hannigan (2009) entende que o “conflito construcionista-realista” teve mais
recentemente seu tom moderado entre os sociólogos ambientais, que foram à procura de
alguma síntese entre variadas perspectivas. Mas, Ferreira (2005, p.78), por outro lado,
afirma que:
A sociologia ambiental, enquanto produção científica e acadêmica, emergiu a
reboque dos movimentos de contestação social surgidos no início dos anos 60
e da constatação da situação emergencial de degradação dos recursos naturais
e do desenvolvimento do industrialismo. O nascimento do movimento na
década de 1960 surpreendeu os sociólogos, que naquele momento não
dispunham de um corpo teórico ou tradição empírica que os guiasse em
direção ao entendimento da relação entre sociedade e natureza. Os pioneiros
da sociologia clássica (Durkheim, Marx e Weber) tinham abordado a questão
de modo tangencial; além disso, apenas raramente surgiam trabalhos
isolados, sem, no entanto, promover uma acumulação considerável de
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conhecimento que permitisse a criação de um campo teórico. Existem várias
hipóteses para o entendimento deste processo (grifo nosso).
Segundo HANNIGAN (2009), o que se tinha eram trabalhos isolados dentro da
subárea da sociologia rural, porém, para compreender a emergência da sociologia
ambiental, é necessário observar como as teorias geográficas e biológicas do
desenvolvimento social perderam força quando a sociologia surgiu, no início do século
XX, como disciplina distinta. O autor aponta, citando Buttel (1986), que a dimensão
ambiental já estava implícita desde os trabalhos clássicos de Durkheim, Marx e Weber,
contudo nunca foi evidenciada pelo fato da explicação da estrutura social ser favorecida
em detrimento às explicações físicas ou ambientais (HANNIGAN, 2009, p.15). Em
concordância com Hannigan, Ferreira (2004, p. 80) afirma:
(...) O que atualmente é identificado como preocupação ambiental seria visto
como atraso e obstáculo ao desenvolvimento, ao progresso. Certamente havia
críticos ao paradigma desenvolvimentista, como os sociólogos marxistas;
mas, estes tendiam a ver a problemática ambiental como um desvio das
questões cruciais do humanismo. Buttel (1992), por sua vez, assinala o
relacionamento ambíguo da sociologia, em sua fase de construção, com as
ciências naturais. Se, de um lado, o pensamento sociológico foi influenciado
por conceitos provenientes das ciências naturais, por outro lado, a própria
necessidade de legitimação das ciências sociais exigiu uma reação contra a
simplificação das explicações oriundas do determinismo biológico e
geográfico, conforme mencionado anteriormente.
Para Lenzi (2007, p.1) a proposta de criação de uma Sociologia Ambiental
nasceu de uma forte crítica às sociologias clássica e contemporânea:
Essa crítica emergiu ao final da década de 70, quando os cientistas sociais
americanos Catton e Dunlap (1978) criticaram justamente a ausência de
qualquer preocupação com as pré-condições ecológicas da sociedade nos
estudos sociológicos. Segundo estes autores, esta ausência não era apenas
casual, mas indicava a existência de um paradigma antropocêntrico existente
na Sociologia que teria emergido com o nascimento da Sociologia moderna.
A idéia de que os clássicos da Sociologia não nos legaram uma sensibilidade
ecológica não está restrita ao trabalho de Catton e Dunlap (1978), mas tende
a receber um apoio nas avaliações de cientistas sociais contemporâneos.
Lenzi (2007) retoma a discussão analisando algumas idéias de Durkheim, Weber
e Marx, buscando identificar os limites e possibilidades que as obras desses autores
podem oferecer para a Sociologia Ambiental. Argumenta que a herança deixada por
estes clássicos da Sociologia é marcada por uma ambivalência com relação à
problemática ambiental e que isso está relacionado com a forma pela qual a Sociologia
veio a ser definida em suas obras. Ele alega que problemas associados com a herança
sociológica clássica têm implicações para pensar a condição teórica da própria
Sociologia Ambiental.
Para Ferreira (2002, p. 1), as ciências sociais, a despeito de outras áreas do
conhecimento, em relação aos problemas ambientais, atribuem à sociedade o paradigma
dominante da fé no progresso e na racionalidade humana:
Marx (1980), bem como Durkheim (1995) vê a era moderna como turbulenta,
mas ambos acreditam que os possíveis benefícios fornecidos pela era
moderna superam seus aspectos negativos. Weber (1982) foi o mais
pessimista dos três, vendo o mundo moderno como um paradoxo onde o
progresso material foi obtido apenas à custa da expansão burocrática que
esmagou a criatividade e autonomia individual. No entanto, nem mesmo ele
antecipou completamente o quão extenso se tornaria o lado escuro da
modernidade.
Ambos os cientistas naturais e sociais construíram suas teorias em duas
premissas básicas: o modelo newtoniano e dualismo cartesiano, segundo a
Comissão Gulbenkian (1996). (FERREIRA, 2002, p. 1, tradução nossa).
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