Visando estimular a produção de conhecimentos na área de sociologia e meio ambiente, postamos a segunda parte do artigo de Elena Steinhorst Damasceno. Nossos agradecimentos a Elena Steinhorst.
SOCIOLOGIA AMBIENTAL: um campo de pesquisa em
consolidação
Elena Steinhorst Damasceno
Continuação - Segunda Parte
Enfoques teóricos
contemporâneos na Sociologia Ambiental
Hanningan (2009) faz um excelente apanhados
sobre enfoques teóricos contemporâneos na Sociologia Ambiental. O autor
menciona “queda do determinismo geográfico e biológico” e a “relação entre a
teoria sociológica clássica e o meio ambiente”, nas teorias de Durkheim e
Weber, como sendo os primórdios das diferenciações teóricas que acarretaram na
consolidação da sociologia ambiental. Segundo
Hannigan, Marx é inocentado por Jonh Bellamy Foster, que reitera a visão
marxista na relação sociedade e ambiente.
Em direção a uma sociologia
ambiental emergente (1970-2005) algumas produções foram marcos históricos
importantes na sociologia ambiental, como o livro A Primavera silenciosa (CARSON, 1962), o
relatório Os limites do crescimento (MEADOWS, 1972) e o Movimento pela Justiça
Ambiental (TAYLOR, 2000). (HANNIGAN, 2009 p. 27).
Hannigan (2009 p. 29) destaca, em
relação às “linhagens” contemporâneas da Sociologia Ambiental, que Dunlap e
colaboradores descrevem sobre riqueza e a diversidade do trabalho sociológico
relacionado ao meio ambiente físico, e afirma que há ao menos nove paradigmas
distintos em competição: a ecologia humana, a economia política, o
construcionismo social, o realismo crítico, a modernização ecológica, a teoria
da sociedade de risco, a justiça ambiental, a teoria ator-rede e a ecologia
política.
HERCULANO (2000, p.5), baseada em Catton e Dunlap (1978), afirma que
quando a Sociologia Ambiental surgiu no contexto norte americano, tinha a
ambição de 6 propor uma mudança paradigmática, não apenas para a Sociologia
Ambiental, mas para a Sociologia em geral. Segundo a autora, Catton e Dunlap
(1978) “criticavam o antropocentrismo do pensamento sociológico, que ter-se-ia
descartado da variável ambiental, ignorando que esta constrange e interage com
as demais variáveis já contempladas pela Sociologia”. A proposta apresentada
sugeria a transição do paradigma HEP ("Human Exemptionalim
Paradigm"), traduzido por “paradigma da excepcionalidade e da supremacia humanas”,
que determinava o “descolamento e independência da natureza”, para o paradigma
NEP (“Nature Environmental Paradigm”), no qual estaria incluído o ambiente
físico como uma das variáveis do sistema social, o que tornaria o enfoque mais
adequado para estudos sobre: a escassez, o declínio da qualidade de vida e o
aumento dos custos ambientais. Dentre os sociólogos chamados por Hannigan
(2009, p. 18) de “propagandistas do desenvolvimento e progresso”, são citados
na corrente da Modernização ecológica Catton e Dunlap (1978); e Inkeles e Smith
(1974).
Hannigan (2009, p.35) aponta os Enfoques teóricos contemporâneos para a
sociologia ambiental, a partir de seu surgimento como discreta área disciplinar
na década de 1970. Segundo ele, são percebidos dois enfoques para o meio
ambiente: as “funções de competição ambiental”, Catton e Dunlap (1978) e a
“dialética socioambiental” e “cadeia de produção”, Alan Schnaiberg (1980),
ambas enfocam a estrutura e a mudança social. No correr do tempo estes enfoques
teriam evoluído para duas perspectivas contrastantes: a “modernização
reflexiva” e a “modernização ecológica”. Hannigan se propõem ir além do
dualismo, discute a relevância do debate sobre o realismo/construtivismo e
aponta o “modelo coconstrucionista de sociedade”.
Para Hannigan (2009 p.48-49), Mol
e Spaargaren oferecem uma versão revisionista da modernização ecológica e
consideram que o capitalismo tem “evoluído” em uma direção “mais verde”,
exemplificado pelos instrumentos baseados no mercado, como exemplo os créditos
negociáveis de poluição. 2 Nesta direção, segundo May (2011, p.170):
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2 A chamada “economia verde” utiliza
mecanismos de mercado, como os de compra e venda de créditos de carbono, os
Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), Redução de Emissões oriundas do
Desmatamento e da Degradação de Florestas (REDD), inclusos no discurso do
Desenvolvimento Sustentável. 7 Para alcançar uma “economia verde” é necessário
assegurar a redução da utilização de materiais e energia no processo produtivo
de modo a permitir que a sociedade prospere sem necessariamente crescer (Daly,
1996, Jackson, 2009 e Victor, 2008). Por outro lado, atores sociais destituídos
das benesses do capitalismo moderno – devido à má distribuição de riquezas –
podem alcançar patamares de consumo mais elevados sem, no entanto, esgotar o
capital natural. Assim sendo, as metas, aparentemente contraditórias, de
decrescimento no Norte e “esverdeamento” do crescimento (com equidade) no Sul
representam a base para um diálogo propositivo em torno de um futuro
sustentável e, além disso, configuram a plataforma para debate na Rio+20.
Hannigan (2009, p. 61) dá importante destaque ao “Discurso Ambiental”.
Inicia estudando o discurso ambiental para, em seguida, verificar “uma
tipologia do discurso ambientalista”, destacando os discursos de “ecossistema”
e de “justiça ambiental”:
Recentemente a análise do discurso surgiu como
um método de influencia crescente para analisar a produção, recepção e uso
estratégico de textos ambientais, imagens e ideias. Apesar de identificada como
próxima do construcionismo social, a análise do discurso tem sido praticada com
bons resultados por seguidores de outras “escolas” da teoria e da pesquisa
ambiental, principalmente críticos teóricos, ecologistas políticos e analistas
de políticas internacionais.
Em Discurso, relações de poder e
ecologia política, Hanningan (2009 p.85) enfatiza que “É realmente difícil
falar sobre o discurso atualmente sem entrar numa discussão sobre poder” e cita
Michael Foucault, na inevitável relação entre discurso e ecologia política – a
“nova ecologia política” ou “ecologia política contemporânea” são postas em
destaque. O autor exemplifica, por meio de um estudo de caso da privatização da
água, no qual os hidrômetros podem ser comparados a conta-gotas, demonstrando a
relação econômica para com a natureza: pagar para usar ou a água como fonte de
lucro.
Para Mol e Spaargaren (2005, p. 28), existem diversos fatores que podem
ajudar a explicar a recente reaproximação entre a Sociologia Geral e a
Sociologia Ambiental:
Esta convergência pode ser explicada primeiramente pelo interesse comum
no emergente debate sobre globalização e mudança (ambiental) global. Para a
Sociologia Geral, a mudança climática e os outros problemas ambientais eram
freqüentemente discutidos como exemplos ou mesmo lições ilustrativas da nova
dinâmica de mudanças em uma modernidade global e, especialmente, dos novos
papéis de instituições-chave como ciência e tecnologia, e o Estado-nação (vide
teoria da modernização reflexiva, teoria da sociedade de risco, construtivismo
social). Nas Ciências (sociais) ambientais, a crescente atenção dada à poluição
atmosférica (acidificação) que ultrapassava fronteiras foi o principal fator a
desencadear o desenvolvimento da nova agenda dos anos 90, geralmente chamada de
Mudança Ambiental Global. Esta agenda – impulsionada pelo IPCC3 e,
particularmente, por
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3 IPCC é a sigla para
Intergovernmental Panel on Climate Change, em português, Painel
Intergovenamental sobre Mudanças Climáticas. O IPCC é um é um corpo científico,
sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU) que analisa e avalia a informação científica, técnica e sócioeconômica mais recentemente produzida no mundo relevante para a compreensão das mudanças climáticas. Ver: http://www.ipcc.ch/organization/organization.shtml#.UX9k67WA8Wk
ONGs ambientais globais – enfatizava novamente o
importante, porém complicado, papel da ciência e tecnologia no gerenciamento da
mudança ambiental global, e ressaltava os novos papéis dos Estados-nações que
precisavam dar espaço para atores e negociações operando tanto na arena
internacional/global como na arena local. Assim, a partir dos anos 90, tanto a
Sociologia Geral como a Ambiental passam a se interessar pela compreensão da
dinâmica específica do global em relação ao local no direcionamento da mudança
(ambiental) global. (...) O segundo e mais recente importante fator a
contribuir para a convergência das Sociologias Geral e Ambiental é a
emergência, no interior da Sociologia Geral, de uma perspectiva teórica na qual
os sistemas sociais são abordados em termos de redes e fluxos.
Nessa perspectiva Hannigan (2009) e Mol e Spaargaren (2005) parecem
concordar sobre papel da mídia como fator essencial ao destaque do “problema
ambiental” nas agendas políticas no mundo todo. Ademais, sobre a Mídia e
comunicação ambiental, Hannigan (2009, p. 121) destaca a importância da mídia
nas questões ambientais, pois muitas vezes:
Para passar os problemas ambientais da
condição de questão para uma política pública, a visibilidade da mídia é crucial.
Sem a cobertura da mídia, as possibilidades que um problema prévio possa entrar
numa arena do discurso público ou se tornar parte do processo político, são
bastante reduzidas.
O autor destaca as “Rotinas e limites organizacionais”, “o discurso da mídia”,
“a mídia de massa e cobertura de notícias ambientais”, “a produção de notícias
ambientais”, “a construção de descrições ambientais “ganhadoras” na mídia” e
“discurso ambiental mediado pela massa” como fatores, relacionados à
publicidade dos fatos, importantes de serem observados na construção de um
problema ambiental (HANNIGAN, 2009, p.122-140).
Outras duas perspectivas são
destacadas por Haningan (2009, p. 43), as “normativas do modernismo” e a do
“desenvolvimento ambiental”. O autor segue, delimitando os enfoques teóricos,
para a tese da sociedade de risco, de Ulrich Beck, e para a “modernização
ecológica” e aponta o que considera uma controvérsia maior: o realismo versus o
debate do construcionismo. O ponto alto da discussão está na necessidade de transcendência
da separação natureza/cultura, chamado por Hanningan de coconstrucionismo e a
análise da socionatureza. (HANNIGAN, 2009 p. 57)
Colocando em prática o construcionismo, outro enfoque teórico, em A
construção social das questões e problemas ambientais Hanningan enfatiza as diferenças e semelhanças entre os
problemas sociais e ambientais e justifica o construcionismo como uma
ferramenta analítica. Cita, ainda, Malcolm Spector e Jonh Kitsuse (1973) como
autores cujo enfoque está na estrutura funcional e destaca os processos e
tarefas importantes na construção social dos problemas ambientais. A
“apresentação e contestação de argumentos ambientais” servem como uma espécie
de instrumento para determinado público para os argumentos ambientais. Hannigan
indica os “fatores necessários para uma construção bem-sucedida de um problema
ambiental” (HANNIGAN, 2009, p.117).
Outro relevante enfoque contemporâneo da Sociologia Ambiental é o
enfoque do Risco, inspirado na teoria da Sociedade de Risco de Ulrich Beck,
porém relativizadas pela postura cultural e “menos apocalíptica” de Mary
Douglas (HANNINGAN, 2009, p. 161). Um tipo de análise de Risco pode ser
exemplificada, através do caso do salmão criado em cativeiro, nos EUA, no qual
se constatou que o consumo do peixe excederia em 100 vezes a quantidade da
substância cancerígena suportável para o ser humano em seu tempo de vida. Essa
análise verifica basicamente os riscos para os seres humanos. Hannigan (2009)
avalia ainda outras “perspectivas sociológicas do risco”: o “risco e cultura”,
a “definição social do risco”, as “arenas de construção do risco”, o “poder e
construção social do risco ambiental” e a “construção do risco numa perspectiva
nacional”.
Hannigan (2009) aponta a “perda
da biodiversidade” como temática que se transformou em uma “carreira” de
sucesso de um problema ambiental global. Fala do problema da perda da
biodiversidade em si, explica o conceito e aponta que este, junto com o
“aquecimento global”, é o tópico mais “quente”, relacionado aos problemas
ambientais atualmente, ou seja, um tema da moda em Sociologia Ambiental. A
partir dessa “carreira” o autor utiliza sua metodologia de construção de um
problema ambiental apresentando os fatores contextuais, reunindo argumentação,
apresentando o argumento e contestando o argumento (HANNIGAN, 2009, p.
182-190).
Hannigan (2009) destaca sua
percepção (teórico/prática) acerca da questão ambiental que seguiria em direção
a um modelo “emergente” de meio ambiente e sociedade. Primeiro ele alerta acerca
de uma “zona sinistra”, exemplificada pelos os efeitos ambientais e sociais do
grande desastre Tsunami da Tailândia. A partir do exemplo, o autor demonstra as
“fundações sociológicas da emergência”, os “elementos 10 emergentes nos
movimentos sociais e organizações de movimento social”; o “aprendizado social
como um processo emergente”; e uma fundamental dimensão da questão ambiental na
atualidade: “as incertezas emergentes” (HANNIGAN, 2009, p. 197-214).
Hannigan conclui que qualquer tentativa nova na perspectiva da
sociologia ambiental necessita confrontar a “divisão sociedade-natureza”.
Destaca a emergência de novos esforços para as relações de análise
socioambiental e percebe o desafio de reconciliar o macro com os dados mais
particularizados de análise. O autor sugere a “teoria da emergência” como
moldura para as análises dos problemas ambientais futuros (HANNIGAN, 2009, p.
216).