segunda-feira, 21 de março de 2022

CONFERÊNCIA DOS OCEANOS EM 27 DE JUNHO

 

Fonte: ONU - BRASIL

Para marcar os 100 dias restantes até o início da Conferência dos Oceanos em Lisboa, o enviado especial do secretário-geral da ONU para o Oceano, Peter Thomson, concedeu uma entrevista falando sobre suas expectativas para o evento.

Ele disse estar confiante com o cumprimento das principais metas previstas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para o tema. Entre elas, a conversão de 10% do oceano em áreas de proteção e o fim do subsídio às práticas de pesca ilegal. 

O enviado também explicou que uma bateria de soluções inovadoras envolvendo os mares deve ser apresentada na Conferência e destacou como a alimentação deve ocupar papel central nisso. Segundo ele, no futuro, “seremos agricultores do mar em vez de caçadores-coletores”.

As águas rasas da Ilha de Mayotte, no Oceano Índico
Legenda: O evento em Lisboa vai debater questões críticas sobre a saúde dos oceanos
Foto: © Gaby Barathieu/Ocean Image Bank

   A Conferência dos Oceanos das Nações Unidas começa no dia 27 de junho. O evento na capital portuguesa, Lisboa, reunirá a comunidade internacional para debater questões críticas sobre a saúde dos oceanos como combate à poluição marinha, conservação e restauração de ecossistemas, pesca sustentável e alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial o número 14, que está ligado diretamente a preservação dos mares.

   Para marcar a contagem regressiva para a data, que começa em menos de 100 dias, o enviado especial do secretário-geral da ONU para o Oceano, Peter Thomson, gravou um vídeo e concedeu uma entrevista para a UN News sobre o evento e a situação atual de nossos oceanos. 

UN News:  Para que servem as Conferências dos Oceanos da ONU? O que exatamente acontece lá?

Enviado especial Peter Thomson: Quando foi criado em 2015, o ODS 14 – que trata da conservação e gestão sustentável dos recursos do oceano - não tinha realmente um “lar”. Ele era diferente dos ODSs que tratam de saúde ou agricultura, e que podem ser acompanhados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e ou pela Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO), e assim por diante.

Assim, os defensores do ODS 14, particularmente os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento e alguns dos Estados costeiros e outros aliados, apontaram que precisávamos de algum tipo de entidade para garantir que a implementação do ODS 14 estivesse no caminho certo e, se não estivesse, uma forma de colocá-la nos trilhos.

Então, foi assim que surgiu a primeira Conferência do Oceano da ONU em 2017, organizada pela Assembleia Geral da ONU, e é este processo que mantém o ODS 14 legítimo. E essa legitimidade, claro, é extremamente importante porque, como diz o mantra, não há planeta saudável sem oceanos saudáveis.

Quanto avançamos na conservação dos oceanos desde a última Conferência?

Definitivamente não o suficiente. Havia uma meta para 2020 de ter 10% dos oceanos transformado em Áreas Marinhas Protegidas (AMPs), e até agora só atingimos 8%. Isso mostra que precisamos trabalhar muito mais nisso, porque as AMPs são uma parte essencial para salvar a saúde dos mares.

Para a Conferência de Biodiversidade da ONU em Kunming, na China, que acontecerá ainda este ano, há uma proposta apoiada por cerca de 84 países chamada de meta “30 por 30”. Em outras palavras, proteger 30% do planeta até 2030 – o que obviamente inclui partes do oceano neste cálculo. Essa meta é muito mais ambiciosa do que os 10% previstos atualmente no ODS 14.5. Acredito que isso é possível e estamos caminhando nessa direção.

A mudança climática é uma questão de sobrevivência para todos nós, mas especialmente para os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento. Como alguém que nasceu em Fiji, o que você diria para fazer as pessoas se identificarem com a situação devastadora que as ilhas do Pacífico estão enfrentando?

As notícias não são boas como revelou o último relatório do IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima]. Sou avô, e o que me importa, e o que importa aos meus amigos em Fiji, é a segurança dos nossos netos.

Entendemos que esta não é uma questão crucial apenas para os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, mas também para as pessoas que vivem em deltas de rios – pense em Bangladesh ou Mekong – e para aquelas que vivem em cidades construídas com fundações em solos aluviais. Um mundo dois ou três graus mais quente não parece seguro para eles e é para onde estamos indo atualmente.

É por isso que os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento, entre eles Fiji, estão na linha de frente da batalha para transformar nossos padrões de consumo e produção, e para que não cheguemos a um mundo muito mais quente. Para nos mantermos, como dizem, em “1,5 para permanecermos vivos”. Essa ainda é a nossa ambição, ainda que ela esteja diminuindo a cada dia. Mesmo assim, estamos pedindo para que a meta continue alta, pois é uma questão de sobrevivência, não apenas para nossos netos, mas também para nossas culturas, que existem há milhares de anos nesses locais.

Qual é o caminho a seguir? Que ações concretas podem ser tomadas?

Bem, olhe para a conferência climática COP26. Veja o que saiu disso e em que direção estamos caminhando até a próxima conferência, a COP27, em Sharma Sheikh, marcada para novembro.

O foco é na redução do uso de combustíveis fósseis e de atividades que queimam carvão. Cada baforada que sai de uma dessas chaminés representa um prego a mais no caixão desses países e ambientes que acabei de citar. Então esse é um grande chamado para a transformação.

E sejamos honestos: isto depende de cada um de nós. Ao sairmos dessa pandemia de COVID-19 vamos voltar ao que estávamos fazendo antes? Ou vamos tentar comer, viajar e fazer compras de forma mais sustentável? A pandemia nos ensinou uma lição? Espero que sim. Assim estaremos reconstruindo não apenas de um jeito melhor, mas também de uma forma mais verde e azul.

O que você acha que está impedindo o progresso em direção à conservação dos oceanos agora?

Bem, o progresso para mim em termos de proteção dos oceanos tem tudo a ver com a implementação do ODS 14 e ele tem algumas metas a serem cumpridas quanto à poluição, pesca excessiva, impactos do efeito estufa e das emissões de gases e implementação de tecnologia marinha. E eu acho que são metas muito factíveis. Eu não perco o sono pensando se vamos conseguir isso ou não. Nós vamos conseguir isso até 2030.

A meta 14.6, por exemplo – que visa livrar o mundo de subsídios às práticas prejudiciais como sobrepesca ou pesca ilegal –, é algo alcançável e a hora de fazê-lo é na Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), agendada para junho deste ano. E quem vai fazer isso? Os Estados-membros deste mundo. Se eles falharem, falharão com todos nós.

Agora, eles vão fazer isso? Tenho certeza que sim, porque eles viram que o consenso em Nairóbi foi “vamos fazer a coisa certa pelas pessoas do planeta. Vamos firmar este tratado para proibir e controlar a poluição plástica. Vamos trazer isso para a realidade”. Como resultado, agora existe um comitê de negociação intergovernamental para colocar esse tratado em funcionamento até o final de 2024.

Estou muito animado com isso, porque quando falamos sobre poluição marinha, que é a meta 14.1 do ODS, 80% dessa poluição é de plásticos. Então, ao fazer deste um tratado internacionalmente vinculante tornamos possível atingir a meta, sem problemas.

Você pode nos dar alguns exemplos de “soluções para os oceanos’'?

Olha, existem mil soluções e uma bateria delas será lançada na conferência em Lisboa. Em vez de focar em soluções individuais, eu diria para estarmos preparados para essa bateria. Mas uma que eu particularmente gosto de falar é sobre nutrição. Todos sabemos que o mar fornece alimentos muito mais saudáveis em comparação com algumas das coisas produzidas em terra. 

Nós não comemos o que nossos avós comiam e nossos netos estarão comendo de maneira muito diferente de como nós comemos. Eles não vão comer peixes grandes, por exemplo. Eles ainda estarão comendo peixe, mas pequenos e cultivados em condições sustentáveis ​​de aquicultura. Eles vão comer muito mais algas. E isso pode não parecer apetitoso para você, mas já estamos comendo enrolado no sushi, certo? Isso são algas.

A maior fonte de alimento do mundo, o fitoplâncton, não é explorada por ninguém além das baleias. Comeremos algum tipo de tofu marinho feito de fitoplâncton. Seremos agricultores do mar em vez de caçadores-coletores, que é o que ainda somos. Então, esse tipo de transformação está em andamento, mas temos que investir e fazer isso agora.

E como indivíduos, o que podemos fazer?

Eu acho que primeiramente é preciso pensar no mar como o destino final, o que é muito importante. Você vê as pessoas jogando pontas de cigarro na sarjeta e elas não pensam que o filtro daquele cigarro é microplástico e vai seguir o caminho do ralo para o mar. E estes microplásticos, é claro, voltam para eles quando comem peixe e batatas fritas, porque esse resíduo foi absorvido pela vida no oceano. Esse ciclo está acontecendo, quer as pessoas percebam ou não.

Então, acho que pensar no mar como o destino é realmente importante, mas esse ciclo também engloba nossas indústrias e a agricultura, com os produtos químicos descendo pelos mesmos ralos, envenenando os rios, mares e lagoas dos quais dependemos.

Então o que podemos fazer individualmente? Podemos simplesmente adotar um comportamento melhor como seres humanos em termos de poluição. Olhe para o seu uso de plástico e faça a seguinte pergunta: eu realmente preciso de todo esse plástico na minha vida? Eu tenho idade suficiente para lembrar como era a vida sem plástico e era muito boa.

Você também pode tomar suas próprias decisões quanto à alimentação. Lembro quando minha esposa e eu analisamos um dos últimos relatórios na época sobre o que a carne bovina estava fazendo com a Amazônia, olhamos uma foto de nossos netos e dissemos: o que amamos mais? Nossos hambúrgueres ou nossos netos? E decidimos naquele momento – foi há cerca de cinco anos – desistir da carne bovina.

Você precisa ter um carro? Muitas pessoas precisam ter um carro, mas minha esposa e eu moramos em cidades onde entendemos que não é necessário e não temos carro há décadas. Você pode optar pelo transporte público ou até mesmo uma caminhada, que é a melhor maneira de se locomover, é claro. Os indivíduos têm que fazer as escolhas certas para tornar este mundo um lugar sustentável.

O que você espera alcançar na próxima Conferência do Oceano?

Em Lisboa, queremos estimular, fora do processo formal, a inovação e o entusiasmo de novas ideias. Isso acontecerá nos eventos paralelos. Estou muito confiante de que haverá esse tipo de inovação visível, fruto da atmosfera carnavalesca que é criada em torno do núcleo central da conferência.

Claro, buscar parcerias inovadoras no ramo científico é a outra grande coisa. Parcerias públicas, privadas, oriundas do norte ou sul, leste e oeste. Este é um momento universal. Uma conferência da ONU é sempre um momento universal.

A primeira conferência oceânica em 2017 foi um divisor de águas em termos de despertar o mundo para os problemas do oceano. Imagino que esta conferência em Lisboa, em junho, vai tratar de dar as soluções para os problemas para os quais alertamos na primeira edição. E estou muito confiante de que essas soluções surgirão quando estivermos lá.

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