COMO DESPOLUIR AS ÁGUAS
Em tempos de pandemia, os recursos naturais
são cada vez mais foco de atenção por parte da sociedade. A água além de
fundamental para a sobrevivência humana é um recurso natural essencial para a
defesa da população diante a crise sanitária que o Brasil e o mundo vivenciam.
Despoluir as águas é um desafio e uma exigência para que haja um combate eficaz
à crise sanitária. Diante tantos problemas socioambientais é preciso que
aconteçam atitudes locais de valorização dos recursos naturais.
O Jornal Oecoambiental realizou uma entrevista
com o presidente do sindicato dos trabalhadores que cuidam das águas e
saneamento básico de Minas Gerais – Sindagua-MG.- Eduardo Pereira
Esta entrevista faz parte de uma
série de reportagens que estamos realizando sobre como despoluir as águas,
rios, lagos e oceanos. Eduardo Pereira argumenta sobre sua experiência de
trabalho na área de saneamento básico.
Jornal Oecoambiental: Eduardo, você é do interior de Minas Gerais? Fale
um pouco sobre sua história.
Eduardo:
Meu nome é Eduardo Pereira de Oliveira, sou natural de Salinas, terra da
cachaça, norte de Minas. Estou hoje presidente do Sindagua- MG.
Jornal Oecoambiental: Como está a situação da oferta de água durante a
pandemia?
Eduardo: No isolamento social durante a
pandemia o consumo de água aumenta. As pessoas tomam mais banhos, lavam mais
roupas. A água é o recurso natural principal para se evitar a contaminação. Não
chegamos a sofrer uma crise hídrica. Nós passamos por uma crise em 2015. O que
está ocorrendo são eventos pontuais. Em Cristália, norte de Minas, faltou água
em 2015. Atualmente não está faltando água. Em Divisa Alegre, há falta água,
mas não em decorrência da pandemia. O caso lá é porque a cidade não tem água. A
cidade é abastecida via poços artesianos. Lá existem 26 poços artesianos. É uma
característica da região.
Jornal Oecoambiental: Os dados de
Saneamento no Brasil quais são?
Eduardo:
Segundo o Sistema Nacional sobre o Saneamento, com base em 2009 – 95,2% da
população brasileira são atendidas com água, 52% com coleta de esgoto. Só que vale
observar que apenas 37,9% dos esgotos gerados são tratados. Há certo déficit de
abastecimento de água que ainda representa uma boa parte da população que é
esquecida pelas iniciativas privadas. Nos grandes centros não falta água. Este
percentual é onde as empresas, mesmo as públicas, têm dificuldade de chegar que
é na zona rural. Onde há um distanciamento entre uma casa e outra. Há uma
dificuldade muito grande do alto custo que é colocar uma tubulação de água para
levá-la a estas comunidades. Este déficit é muito pelo distanciamento das
pessoas que se localizam na zona rural. Com relação ao tratamento de esgoto,
vale lembrar que no Brasil o tratamento de esgoto ainda é uma coisa muito nova.
O Brasil tem 37,9% dos esgotos que são coletados, mais ainda com uma
deficiência questionável, vamos dizer assim. A legislação pede 60% de
eficiência mínima. As empresas tendem a atingir esta pequena eficiência. É uma
situação que tem que aprofundar muito. Tem que haver um aprofundamento melhor
com relação à coleta, tratamento de esgotos e as eficiências.
Jornal Oecoambiental: E aqui em Minas Gerais, como está a situação?
Eduardo: Em Minas Gerais, nós
que somos mineiros, temos muitas experiências a passar para o resto do Brasil.
Isto porque Minas é um estado muito grande, 853 municípios com diversas
desigualdades entre si. Você pega aí Nova Lima, uma cidade que tem um IDH
próximo a oito, altíssimo. Com um índice de atendimento à população muito
grande. Aí você vai para outras regiões de Minas, por exemplo, Jequitinhonha,
onde encontramos a zona rural, o índice de atendimento, o alcance de água
tratada diminui. As desigualdades de
nosso estado acabam afetando a oferta do abastecimento de água da população.
Então isto não é culpa da empresa, de uma empresa pública, da Copasa. Isto é um
problema do estado. O nosso estado é muito desigual. Você pega, por exemplo, a
cidade de Divisa Alegre. É uma cidade muito pequena, deficitária, que dá
prejuízo para a Copasa e lá não tem água. Lá o abastecimento é feito através de
poços artesianos. Lá hoje há 26 poços artesianos e só seis funcionam. Então a
Copasa tem um sacrifício, levando prejuízo em termos de custos ao levar água
para a população e com a mesma qualidade daqui de Belo Horizonte. Isso porque a
Copasa trabalha com subsídio cruzado. Ou seja, ela tem que pegar o investimento
daquelas cidades onde há lucro e subsidiar aquelas cidades que dão prejuízo,
como o caso de Divisa Alegre que é uma cidade totalmente deficitária. Lá uma
empresa privada não vai querer ficar. Não tem mágica. Quando uma empresa
privada levar em conta a arrecadação de uma cidade como Divisa Alegre, vai ter
que custear a despesa operacional. Eles vão ter que rever na tarifa, a conta
entre o gasto e a receita e teria que aumentar a tarifa. O que aumentaria ainda
mais a desigualdade entre muitas cidades de Minas e as cidades maiores. Por
isto que a gente defende aqui a Copasa como uma empresa pública. Ela não leva
em consideração as cidades que dão prejuízo.
Melhor dizendo, estas cidades são subsidiadas pelas cidades
maiores.
Com relação ao tratamento de esgoto, Minas Gerais tem uma grande
deficiência em relação ao tratamento de esgoto. Isto não é uma coisa do estado
de Minas, mas do Brasil. Diversas cidades em Minas já tem seu tratamento de
esgoto, sua coleta, mas a grande dificuldade é que devido às desigualdades em
Minas, os clientes não conseguem pagar água e esgoto. Em algumas prefeituras
por questão de cautela e proteção política, algumas acabam não repassando a
concessão de esgoto para uma empresa pública e nem para uma empresa privada.
Porque senão a população vai pagar o que hoje é de graça. O administrador da
prefeitura, mesmo que o esgoto é jogado no rio, mesmo sabendo desta
deficiência, alguns prefeitos, municípios, eles não querem passar a concessão
porque eles sabem que a população vai ter que pagar. Isso é normal. Seja uma empresa pública ou privada ela vai
cobrar por este serviço. Então não é um serviço gratuito. Quando a gente fala
nesta questão de déficit que Minas Gerais possui na coleta e tratamento de
esgoto é complexo. Porque não é um déficit por culpa da Copasa que é uma
empresa pública. Mas sim pela desigualdade que tem nosso estado. Nós somos sabedores que a concessão de
tratamento de esgoto gera um custo para a população. É muito bom ter ciência
disso.
Temos aqui experiência onde a Copasa
não operava o esgoto, vale lembrar que operar a concessão de esgoto não é uma
questão impositiva da Copasa. O município tem que passar para a Copasa, se for
o caso. A Copasa está querendo pegar todas
as concessões de esgoto de Minas Gerais. Ela não pega é porque as concessões
não chegaram para ela ainda. Estes lugares, principalmente cidades pequenas, onde
o pessoal pagava vinte, vinte e cinco reais de água. Quando a Copasa passou a
operar a questão da coleta e tratamento, o cliente passou a pagar cinqüenta. Começaram a pagar o tratamento e
a coleta de esgoto. Este que é o grande problema. A população pede o tratamento
de esgoto, mas ela não quer pagar. Uma
empresa privada não dá esta liberdade da população pagar ou não. Simplesmente
quando pegar esta concessão isto é impositivo, vai pegar e vai ter que
pagar. É uma ocorrência muito injusta
quando se fala da questão da concessão de água e de esgoto, comparando uma
empresa pública com a privada. A empresa
pública chega à cidade e ela tem que ter “um jogo de cintura”, vai dizer assim,
uma política local para que o cliente não fique insatisfeito com a cobrança que
vai gerar. Uma empresa privada não está nem aí.
Colocou hoje ali e vai começar a cobrar amanhã. No mês que vem não pagou
cortou. Então estas coisas têm que ser
bem avaliadas, bem aprofundadas para que a gente possa mostrar para a população
o que é de fato importante neste contexto na luta contra a privatização.
Jornal Oecoambiental: Como avaliar a situação das águas com relação ao
meio ambiente?
Eduardo: Esta
questão do meio ambiente me preocupa muito. Nós vimos aí o desastre ambiental
que a mineradoras causaram em Mariana, em Brumadinho, no Fundão. Não vimos até
agora um culpado. Você não vê a população falar da mineradora. Agora você vê
alguns políticos quererem detonar a Copasa porque é uma empresa pública. A ação
da mineradora, porque é uma empresa privada é como se tivesse sido normal.
Aconteceu lá a tragédia. Mataram várias pessoas. Causaram um crime ambiental
que nós estamos pagando até hoje por isso.
A qualidade da água onde aquela lama correu vai demorar anos para ser a
mesma. E ficou por isso: um desastre ambiental muito grande sem uma repercussão
adequada para o tamanho do desastre. Isso me preocupa muito. Vimos também à
questão das queimadas que estão acontecendo na Amazônia. Aqui em Minas Gerais você vê algumas queimadas
e aí você fica preocupado aqui. O que
acontece na Amazônia essa sensação de “normalidade” reflete no Brasil inteiro.
Não é normal.
A Copasa por ser uma empresa pública, ela é muito parceira do meio
ambiente. Isso aí a mídia não divulga as ações socioambientais que a Copasa
faz. A Copasa tem um programa
socioambiental de recuperação de águas coordenado pela administração da empresa
que é um programa muito bonito. E que dá um retorno muito grande para os
municípios, principalmente os municípios pequenos. É o “Pró-mananciais”. É um programa socioambiental
de recuperação e preservação de águas coordenadas pela Copasa. Vou dar um
exemplo: Salinas é uma cidade de quarenta e dois mil habitantes. É a minha
terra. Uma cidade onde a Copasa opera a água e esgoto. Tem uma eficiência de 90% em termos de tratamento de
esgoto e mesmo assim com uma concessão deficitária, a Copasa investe muito
naquela região. Matrona é um distrito de Salinas. Não é uma cidade, é um
vilarejo de Salinas, uma comunidade, só em 2019 a Copasa executou ali 61 bacias
de contenção de águas de chuva, 25 lombadas e quatro mil metros de cerca. Isso
aí só no ano de 2019. No Vale do Bananal na região de Salinas a Copasa colocou
lá 6500 metros de elevação de estradas, 188 bacias de contenção e 2332 metros
de cerca, tudo isso aí na região de Salinas. Não bastasse isso na região de Taiobeiras,
a Copasa conseguiu colocar através do “Programa Pró- mananciais” e pelo “Colmeia”
– que é o coletivo local de meio ambiente criado pela Copasa, colocou 49 bacias
de contenção de águas de chuvas, 20 lombadas na barraginha que tem lá, 3576
metros de cercamento, 70 bacias de contenção de águas de chuvas. Isso só na
cidade de Taiobeiras. Na cidade de Rio
Pardo de Minas, 122 bacias de contenção de águas de chuvas, 19840 metros de
adequação de estradas, ou seja, estradas ecológicas, 43 lombadas e 1140 metros
de ATP, na região de Rio Pardo de Minas. Em Divisa Alegre, uma cidade bem
pequena, na divisa com a Bahia, totalmente deficitária, a Copasa construiu 179
bacias de contenção de águas de chuvas, 22 mil metros de adequação de estradas,
estradas ecológicas que têm ali bacias de contenção. Na região de São João do
Paraíso, 10376 metros de cerca, 10 mil metros de adequação de estradas. Em Vargem Grande do Rio Pardo, 250 bacias de
contenção, 20 metros de adequação de estradas, 54 lombadas, 9.407 metros de
cercamento na barragem de Olhos D’água. São ações que a imprensa não divulga. Isso aí a mídia não divulga as ações socioambientais
que a Copasa faz. A Copasa é muito parceira do meio ambiente. Ela através do
“Programa Pró-mananciais”, com a parceria com os municípios, vem protegendo e
recuperando várias nascentes que fazem parte do manancial de águas operado por
esta empresa. Claro que não citei todas as ações que a Copasa faz aqui no norte
de Minas, como Curral de Dentro, Coronel Murta, Águas Vermelhas, são diversas
ações.
Jornal Oecoambiental: Por que, em sua opinião, há tanta poluição das
águas ainda com o esgotamento sanitário, como na região da Pampulha em Belo
Horizonte?
Eduardo: Ótima
pergunta. Pense na Copasa como se fosse um mascate, ela passa em frente a sua
casa oferecendo uma rede de esgoto para coleta e tratamento, mas para isso ela
te cobrará 90% de sua fatura de água. O problema é que a empresa não pode
obrigar o cliente a ligar o esgoto em sua rede. E muitas vezes o cliente não
liga para não pagar. O que gera lançamento clandestino em alguns lagos e rios.
Não posso afirmar se isso ocorre na região da Pampulha, pois não conheço a
situação “in loco”, mas no geral é
assim. Outro fator que devemos considerar é o percentual de tratamento. Hoje a
legislação pede uma eficiência mínima de tratamento de 60% e este percentual
quando lançado em um rio com pouca vazão deixará a água com um aspecto de
esgoto. Vale lembrar que o efluente tratado com 60% ou 90% continua sendo
esgoto, porém tratado. O nome correto para este líquido é efluente tratado. Às
vezes a população questiona sobre o cheiro ou aspecto, mas muitas vezes a
empresa está bem acima do que a legislação pede.
Vou te dar um exemplo: Salinas trata o esgoto com uma eficiência de 90%
e lança no rio com pouca vazão e a população sempre fala que a Copasa está
jogando esgoto no rio.
Jornal Oecoambiental: Há solução para despoluir as águas? Por que isso
não é priorizado?
Eduardo: Primeiro precisamos de saneamento, o
que significa água tratada, esgoto tratado e drenagem de água pluvial e coleta
e tratamento adequado do lixo. A água é retirada dos mananciais para, no nosso
caso, abastecimento humano. A água passa por diversos processos que a
transforma em esgoto e este deve ser tratado, conforme disse antes e ser
devolvido aos rios ou lagos. As drenagens de água pluvial são muito importantes
neste processo, pois, se bem planejadas para escoamento com destino aos rios, evitam
junto com ela levar lixos e vários tipos de impurezas. Por último, temos o lixo
que aqui no Brasil 99% são jogados de qualquer jeito em aterros controlados (para
mim são aterros descontrolados) que afetam diretamente o lençol freático, nossa
caixa d”água natural. O ciclo hidrológico é muito bonito e tudo tem que ser
devolvido. O homem usa a água e tem que a devolver de alguma forma. A solução
que vejo é o uso sustentável dos recursos hídricos sem deixar o viés econômico
sobrepor o social e o ambiental, sendo que a privatização provoca grande
desequilíbrio.
Ainda sobre a prioridade de despoluição das águas, tudo tem um preço,
seja pequeno ou grande. Infelizmente os
políticos não gostam de investir onde não tem visibilidade e não traz retorno
de voto, deixando de lado e jogando sua responsabilidade para o setor privado.
Enfim, falta educação ambiental para todos nós brasileiros para que coloquemos
o meio ambiente em primeiro lugar.