terça-feira, 24 de novembro de 2020

INCLUSÃO DIGITAL NOS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE

 

Países da América Latina e do Caribe precisam avançar na inclusão digital para sair da crise 

FONTE: ONU - BRASIL
América Latina e Caribe devem avançar na inclusão digital
América Latina e Caribe devem avançar na inclusão digital

Os países da América Latina e do Caribe devem avançar com urgência na inclusão e na transformação digital, com base na integração regional e na cooperação internacional, para enfrentar a crise derivada da pandemia da COVID-19 e alcançar um desenvolvimento com igualdade e sustentabilidade ambiental. A recomendação foi feita por autoridades e funcionários internacionais na abertura da VII Conferência Ministerial sobre a Sociedade da Informação da América Latina e do Caribe, organizada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) e o governo do Equador. O encontro virtual prossegue até quinta-feira, 26 de novembro.

 “Hoje nenhuma sociedade pode alcançar o desenvolvimento se estiver a margem da tecnologia digital, por isso deve estar ao alcance de todos, sem exclusão de qualquer tipo. Ninguém pode ficar para trás”, afirmou o presidente equatoriano, Lenín Moreno, em mensagem transmitida durante a cerimônia de abertura.

“Comemoro esse encontro de ministros da região porque todos seremos beneficiados. Juntos podemos definir e fortalecer as políticas regionais, que sejam democráticas, que sejam inclusivas. Milhões de pessoas ficarão gratas”, considerou Moreno. O Equador recebe a presidência da Conferência Ministerial por dois anos.

Em seu discurso, a secretária-executiva da CEPAL, Alicia Bárcena, disse que “a atual conjuntura, marcada por uma profunda crise desencadeada pela pandemia da COVID-19, destacou a relevância das tecnologias digitais e como a sua utilização tem sido essencial para o funcionamento da economia e da sociedade”. Ela lembrou que um terço da população da América Latina e do Caribe não têm acesso a internet.

Andrés Michelena, ministro das Telecomunicações e da Sociedade da Informação do Equador, alertou sobre “a possibilidade real e potencialmente trágica de que essa crise arruíne uma geração de latino-americanos”. “Esse evento continental nos apresenta um grande desafio: passar do dizer para o fazer. Sem recursos públicos e privados, e sem a alavancagem financeira dos organismos multilaterais e regionais, o caminho será árduo e difícil”, considerou. Ele anunciou que o Equador se propôs a criar um fundo latino-americano para implantação rural de infraestrutura de telecomunicações, com pelo menos 1% do PIB de cada país colaborador, para reduzir a lacuna digital.

A ministra de Tecnologias da Informação e das Comunicações da Colômbia, Karen Abudinen, destacou a importância da conectividade e da transformação digital, apresentando algumas das  principais iniciativas realizadas por seu país em matéria de inclusão digital. "Conectividade é igualdade", ressaltou.

Em apresentação realizada após a abertura, Alicia Bárcena revelou que na região existem mais de 40 milhões de domicílios não conectados e a metade está situada nos dois quintis mais pobres. Dados do Observatório Regional de Banda Larga da CEPAL indicam que 77% dos domicílios rurais não estão conectados, assim como 42% das pessoas menores de 25 anos e 54% das pessoas maiores de 66 anos.

A secretária-executiva da CEPAL indicou que o serviço de banda larga móvel e fixa para o primeiro se segundo quintis custa 14% e 12% de suas rendas. Por outro lado, um terço dos países da região não atende aos requisitos de velocidade de download necessários para usar soluções digitais.

"Isso tem repercussões sociais de grande magnitude: 46% dos meninos e meninas com idades entre 5 e 12 anos vivem em que não estão conectados. Mais de 32 milhões de meninos e meninas não podem ter acesso a soluções de educação à distância”, exemplificou Bárcena. Ela propôs três grandes desafios para a região hoje: universalizar o acesso e a acessibilidade às tecnologias digitais; avançar na digitalização para a sustentabilidade ambiental; alcançar uma transformação digital produtiva real.

“Uma cesta básica para a população não desconectada custaria anualmente cerca de 1% do PIB da região”, afirmou a representante da CEPAL, que enfatizou a necessidade da digitalização ser totalmente incorporada aos processos produtivos. “A pandemia levará a uma enorme destruição do tecido produtivo. É previsto o fechamento de 2,7 milhões de empresas, o que provocará a perda de 8,5 milhões de empregos”, assegurou.

Durante a reunião, está prevista a aprovação da Agenda Digital para a América Latina e o Caribe eLAC 2022, dando continuidade a um processo regional iniciado há 15 anos.

“As dimensões da agenda digital regional que devemos buscar e priorizar são a construção de capacidades internas, a inclusão de todos os atores envolvidos e a cooperação internacional”, apontou Alicia Bárcena. “Devemos pensar em como utilizamos a digitalização, em como transformamos o que estamos fazendo em matéria digital e colocamos a serviço de uma recuperação pós-pandêmica que esteja baseada na sustentabilidade ambiental, na igualdade e na inclusão”, concluiu.

EDITORIAL - PELO RESPEITO À DIVERSIDADE ÉTNICA

 

EDITORIAL

Pelo respeito à diversidade étnica


    O dia 19 de novembro de 2020 está marcado como o dia do “apagão” da dignidade humana.  As cenas da violência étnica que familiares e o mundo tomaram conhecimento e vêm assistindo cada vez que as imagens degradantes dos conflitos que causaram a morte de João Alberto Silveira Freitas são reproduzidas pelos meios de comunicação, redes sociais, causam indignação, repugnância no Brasil e em todo o mundo.  Um Brasil e um mundo que já sofrem com as restrições de convivência causados  pela pandemia da Covid-19 e tem crianças e adolescentes, em sua maioria, fora das escolas. Para quem defende a “educação remota” como solução para educar os seres humanos, imagens de tamanha violência exemplificam como os seres humanos precisam curar as feridas da degradação e conflitos étnicos que neste início de século XXI parecem se multiplicar. Que futuro estamos construindo para a humanidade onde crianças e jovens sofrem com a degradação humana exposta nas redes sociais e nos meios de comunicação com a violência do racismo?

   O legado educacional que o mundo tem a transmitir à juventude não pode ser este de degradação da condição humana. A Agenda 2030 da ONU e os objetivos do desenvolvimento sustentável precisam prevalecer diante a violência da intolerância étnica.   O racismo infelizmente é uma criação humana. Qualquer pessoa que por ignorância de informação ou por interesses diversos não admita que o racismo é um problema socioambiental dos mais graves e cruéis que a humanidade tem a vencer pode ter como um dos motivos desta recusa em admiti-lo, tentar “esquecer” ou “apagar” de sua memória, de sua própria existência pessoal ou familiar o sofrimento e a degradação que o racismo provoca nas pessoas.  Uma sociedade sustentável só pode ser construída na medida em que procura vencer toda forma de violência e degradação étnica.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

SUSTENTABILIDADE - FÓRUM DE CIDADES PAN-AMAZõNICAS

 

PNUMA fala sobre desenvolvimento urbano sustentável no Fórum de Cidades Pan-Amazônicas

  • A Representante do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Denise Hamú, participou do lançamento do Fórum de Cidades Pan-Amazônicas (FCPA), promovido na quarta-feira (4), durante o evento global Fórum Amazônia+21, e falou sobre oportunidades e desafios locais, bem como empregos verdes nas cidades da região.
  • O Fórum é uma plataforma para a troca de conhecimentos e experiências entre governos locais da região amazônica com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável.
FONTE: ONU - BRASIL

A Representante do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Denise Hamú, participou como convidada especial do lançamento do Fórum de Cidades Pan-Amazônicas (FCPA), promovido na quarta-feira (4), durante o evento global e virtual Fórum Amazônia+21.

O FCPA é uma plataforma para a troca de conhecimentos e experiências entre governos locais da região amazônica com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável. A rede foi idealizada pelo ICLEI América do Sul, WayCarbon e Fundação Konrad Adenauer, por meio do Programa Regional de Segurança Energética e Mudanças Climáticas (EKLA), e reunirá diversos representantes das pastas de Planejamento e Desenvolvimento Sustentável de cidades amazônicas do Brasil, Colômbia, Equador e Peru.

“O objetivo deste Fórum é trazer a concepção de desenvolvimento sustentável da Amazônia para o século XXI, ligado com a visão de cidades que queremos criar. O Fórum propões duas linhas: a bioeconomia e a geração de empregos verdes; e o papel das cidades na prevenção do desmatamento e preservação da floresta em pé”, explicou o secretário executivo do ICLEI América do Sul, Rodrigo Perpétuo, durante a abertura do evento.

Ainda na abertura, a coordenadora do EKLA, Anuska Soares, ressaltou que “a troca entre governos locais para promover o desenvolvimento sustentável das cidades amazônicas é muito importante, pois só eles têm conhecimento efetivo do que passa em cada cidade”.

A representante do PNUMA no Brasil, Denise Hamú, foi a convidada especial do painel “Governos Locais e Desenvolvimento Sustentável”, que reuniu prefeitos(as) e secretários(as) para debater oportunidades e desafios locais, bem como empregos verdes nas cidades da região.

A representante do PNUMA apresentou algumas iniciativas da organização no âmbito do desenvolvimento urbano sustentável. Também citou dois relatórios, o “Growing in circles” sobre a transição para a economia circular no nível local, e “The Weight of Cities”, e falou da importância de endereçar as cidades e o metabolismo urbano.

“Os futuros econômicos e ambientais globais estão interligados em como os desafios urbanos serão enfrentados. As cidades têm impactos significativos, consomem mais de 70% dos recursos naturais e de energia e produzem cerca de 60% das emissões de efeito estufa. Atualmente, 54% da população global vive nas cidades”, alertou.

A representante do PNUMA ainda destacou particularidades das cidades amazônicas e levantou provocações, a exemplo de: como estimular o cultivo intensivo de cultivares nativos da Amazônia (açaí, cupuaçu, borracha, guaraná, etc.) desenvolvidos pela Embrapa? Como dar escala a projetos de bioeconomia na região gerando empregos duradouros para as populações locais? Como traduzir os ganhos da Zona Franca de Manaus em saúde, educação, saneamento?

Em seguida, os prefeitos Arthur Virgílio Neto, de Manaus (AM), e Hildon Chaves, de Porto Velho (RO), discutiram questões locais e empregos verdes nas cidades pan-amazônicas.

“A árvore em pé vale muito mais que ela derrubada. Depois de alguns anos de desmatamento vem a desertificação, a estiagem e a mudança climática”, comentou o prefeito de Manaus.

“É um avanço enorme estarmos hoje discutindo com o mundo a Amazônia – aqui da Amazônia. Que possamos concentrar e liderar daqui a discussão sobre nossos desafios e riquezas”, declarou o prefeito de Porto Velho.

Reunião de trabalho

Na reunião exclusiva para os Secretários(as), no dia 5 de novembro, o debate foi centrado na agenda técnica e na troca de experiências locais e de políticas públicas que contribuem e fomentam o crescimento econômico aliado à preservação da floresta local.

Questões como regulação fundiária e uso da terra foram comumente citadas por secretários, secretárias e seus representantes presentes na reunião, assim como a disponibilização de verbas e a relação com outros entes federativos.

O subsecretário de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente de Parintins (AM), Alzenilson Aquino, revelou que um dos principais problemas do território é a produção de madeira clandestina, sendo a regularização fundiária um tema importante para a região.  

“As alianças entre os municípios permitem que eles se tornem mais fortes e compartilhem experiências de sucesso, criando estratégias e políticas públicas que venham a diminuir as novas áreas desmatadas”, afirmou o subsecretário de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente de Parintins.

“A Amazônia é a região que define o equilíbrio do clima do mundo”, observou o secretário de Planejamento e Desenvolvimento Econômico de Santarém, Ruy Correa. “Se não tivermos a possibilidade de agregar a visão daqueles que conhecem e habitam a região – e sentem a dificuldade de alcançar e usufruir os benefícios que a sociedade moderna coloca – não conseguiremos atrair um investimento maciço. Vejo com bastante otimismo a oportunidade de reunirmos experiências em busca de uma solução adequada para toda a Pan-Amazônia.”.

A diretora de Políticas Públicas Ambientais e Mudanças Climáticas da Secretaria do Meio Ambiente de Porto Velho (RO), Lucinara Camargo, apontou a governança como uma das principais questões que precisam ser resolvidas na região. “O fortalecimento da governança é importante para nós enquanto município. Os maiores desafios para os municípios menores estão na implementação, na falta de capacidade técnica e no quadro reduzido de funcionários”

O gerente de Planejamento e Orçamento de Jaen, no Peru, Percy Romero, lembrou que a capital do país está numa cidade litorânea, então existe uma dificuldade para enxergar qual é o desenvolvimento típico das cidades amazônicas. “Estamos sempre lutando para propor ideias e parcerias estratégicas com o setor privado, pois há um grande potencial aqui. O governo nos faz repasses muito limitados e não conseguimos impulsionar algumas de nossas iniciativas. Estou aprendendo muito com o que está sendo discutido aqui”.

O mesmo acontece na Bolívia, onde o estado também centraliza os recursos, o que não permite muitos investimentos, de acordo com o secretário de Desenvolvimento Agrário e Meio Ambiente de Riberalta, Rodrigo Vaca. “O pouco que recebemos, investimos em cooperação com o terceiro setor. É importante estarmos aqui, gerando iniciativas de políticas públicas para que a Amazônia tenha um tratamento especial em cada um de nossos países. Temos que seguir buscando essas oportunidades para construir pontes cada vez mais fortes com o governo federal e investimentos diretos em comunidades indígenas”, concluiu.

DIA MUNDIAL DA CIÊNCIA PARA A PAZ E O DESENVOLVIMENTO

 

UNESCO celebra Dia Mundial da Ciência para a Paz e o Desenvolvimento

FONTE: ONU - BRASIL
  • Celebrado todos os anos em 10 de novembro pela UNESCO, o Dia Mundial da Ciência para a Paz e o Desenvolvimento destaca o papel importante da ciência na sociedade e a necessidade de envolvimento de um público mais amplo nos debates sobre as questões científicas emergentes. A data também sublinha a importância e a relevância da ciência em nosso cotidiano. 
  • Em 2020, em uma época quando a pandemia da COVID-19 demonstrou ainda mais o papel fundamental da ciência em tratar dos desafios mundiais, o foco do Dia Mundial da Ciência está na ciência para e com a sociedade.

Celebrado todos os anos em 10 de novembro pela UNESCO, o Dia Mundial da Ciência para a Paz e o Desenvolvimento destaca o papel importante da ciência na sociedade e a necessidade de envolvimento de um público mais amplo nos debates sobre as questões científicas emergentes. A data também sublinha a importância e a relevância da ciência em nosso cotidiano. 

Em 2020, em uma época quando a pandemia da COVID-19 demonstrou ainda mais o papel fundamental da ciência em tratar dos desafios mundiais, o foco do Dia Mundial da Ciência está na ciência para e com a sociedade. Ao longo dessa crise de saúde e saneamento sem precedentes, a UNESCO tem se empenhado em trazer a ciência para mais perto da sociedade e apoiar as colaborações científicas internacionais essencialmente necessárias.

Do ponto de vista da ciência, a resposta da UNESCO à COVID-19 está estruturada em torno de três pilares principais: promoção da cooperação científica internacional, garantia de acesso à água e apoio à reconstrução ecológica.

Ao aproximar a ciência à sociedade, a data visa garantir que os cidadãos se mantenham informados sobre os desenvolvimentos da ciência. Além disso, enfatiza o papel que os cientistas exercem  em ampliar a nossa compreensão sobre nosso planeta notável e frágil que chamamos de lar e em fazer nossas sociedades mais sustentáveis.   

O QUE A UNESCO FAZ PELA CIÊNCIA PELA PAZ E O DESENVOLVIMENTO

Promoção da cooperação internacional científica: Para enfrentar a pandemia da COVID-19, é imperativo fortalecer a cooperação científica internacional e nacional, bem como o diálogo entre cientistas, formuladores de políticas, médicos privados, indústrias e profissionais de saúde, sociedade civil e o público em geral. Isso exige acesso aberto ao conhecimento científico, compartilhamento de dados e políticas e tomadas de decisão baseadas em evidências, além de uma transição urgente para a ciência aberta em todo o mundo.

Melhoria do acesso à água e ao saneamento: O acesso à água limpa e segura e ao saneamento é fundamental e indispensável para evitar a propagação da COVID-19 e para combater a pandemia. A UNESCO fornece aconselhamento científico e técnico e oferece capacitação sobre políticas em água inclusivas e baseadas em evidências, e sobre gestão sustentável dos recursos hídricos para garantir o acesso à água limpa e segura e ao saneamento para todos.

Apoio à reconstrução ecológica: A pressão sobre a biodiversidade e seus habitats naturais favorecem o surgimento de zoonoses como a COVID-19. Mais do que nunca, é necessário repensar as ligações entre as pessoas e a natureza. Os locais designados pela UNESCO, como as Reservas da Biosfera e os Geoparques Globais da UNESCO, são ferramentas poderosas para aproximar as pessoas da natureza, testando e aplicando abordagens integradas para a conservação da biodiversidade e uso sustentável e desenvolvimento sustentável.

EDUCAÇÃO E A COVID-19

COVID-19: mais de 97% dos estudantes ainda estão fora das salas de aula na América Latina e no Caribe  

FONTE: ONU - BRASIL
  • A COVID-19 continua colocando em pausa a educação de mais de 137 milhões de crianças e adolescentes na América Latina e no Caribe. Isto é o que aponta um novo relatório do UNICEF sobre os impactos devastadores da COVID-19 na educação.
  • Desde o início da pandemia, as crianças e os adolescentes da América Latina e do Caribe já perderam em média quatro vezes mais dias letivos (174) em comparação com o resto do mundo. Em uma região com mais de 11 milhões de casos de COVID-19 até o momento, milhões de estudantes correm o risco de perder um ano letivo inteiro.
  • No Brasil, segundo a PNAD COVID, 4 milhões de estudantes do ensino fundamental (14,4%) estavam sem acesso a nenhuma atividade escolar em agosto de 2020.
Relatório do UNICEF aponta que milhões de crianças e adolescentes podem perder o ano letivo na América Latina e no Caribe por conta da pandemia

Mais de sete meses depois de declarada a pandemia, a COVID-19 continua colocando em pausa a educação de mais de 137 milhões de crianças e adolescentes na América Latina e no Caribe. Isto é o que aponta um novo relatório do UNICEF sobre os impactos devastadores da COVID-19 na educação.

Desde o início da pandemia, as crianças e os adolescentes da América Latina e do Caribe já perderam em média quatro vezes mais dias letivos (174) em comparação com o resto do mundo. Em uma região com mais de 11 milhões de casos de COVID-19 até o momento, milhões de estudantes correm o risco de perder um ano letivo inteiro. Enquanto as escolas estão gradualmente reabrindo em várias partes do mundo, a grande maioria das salas de aula ainda está fechada em toda esta região: mais de um terço de todos os países da América Latina e do Caribe ainda não definiu uma data para reabrir as escolas.

O relatório conclui que a COVID-19 aumentou ainda mais as lacunas de educação entre famílias ricas e pobres na América Latina e no Caribe. Os novos dados do UNICEF mostram que a porcentagem de crianças e adolescentes que não recebem nenhuma forma de educação na região aumentou drasticamente, de 4% para 18% nos últimos meses. As projeções da ONU revelam que a COVID-19 pode tirar até 3 milhões de meninas e meninos a mais da escola na região. 

“Na América Latina e no Caribe, milhões dos estudantes mais vulneráveis podem não retornar à escola”, disse Bernt Aasen, diretor regional a.i. do UNICEF para a região. “Para quem não tem computador, internet ou até mesmo um lugar para estudar, aprender em casa se tornou um grande desafio”.

Os ganhos educacionais obtidos pela América Latina e pelo Caribe nas últimas décadas correm o risco de ser revertidos. O impacto econômico desta crise educacional será sentido nos próximos anos.

Juntamente com seus parceiros, as equipes do UNICEF estão trabalhando para proteger o direito das crianças e dos adolescentes de aprender em todos os países da América Latina e do Caribe. Desde o início período de fechamento das escolas, cerca de 42 milhões de estudantes na região têm recebido atividades educacionais a distância e em casa com o apoio do UNICEF, fornecido por rádio, TV, internet e outras plataformas.

No entanto, novas estimativas do UNICEF sugerem que, apesar dos esforços governamentais, apenas um em cada dois estudantes de escola pública está tendo acesso a um ensino a distância de qualidade em casa, em comparação com três em cada quatro estudantes de escola privada. Programas educacionais de rádio, TV e internet devem ser fortalecidos para alcançar os estudantes que não estão conectados à internet. Antes e depois da reabertura das escolas, preencher a lacuna digital atual, junto com o setor privado, ajuda a construir sistemas de educação mais resilientes para resistir a potenciais crises futuras.

Crianças e adolescentes com maior risco de abandono escolar – como migrantes, de comunidades indígenas e com deficiência – devem receber apoio educacional especial. Incentivos econômicos, como auxílio para mensalidades, merenda escolar ou custos de transporte, devem ser implementados para encorajar pais e mães a mandar seus filhos e filhas para a escola.

 “Na América Latina e no Caribe, a COVID-19 empurrou milhões de famílias para a pobreza”, enfatizou Bernt Aasen. “Sem ajuda, muitos pais e mães não terão escolha a não ser sacrificar a educação de seus filhos e filhas. Não é tarde demais para construir sistemas de educação melhores, mais resilientes e mais inclusivos do que antes da pandemia. No momento, é urgente que crianças e adolescentes voltem à escola”.

Uma em cada seis escolas não tem acesso a água na América Latina e no Caribe. O UNICEF apela aos governos para que acelerem urgentemente a preparação para a reabertura segura das escolas, instalando infraestrutura de água, saneamento e higiene, capacitando professoras e professores e adotando abordagens de aprendizagem mais inclusivas.

Embora a situação epidemiológica seja diversa entre os países e dentro deles, a reabertura de escolas deve ser uma prioridade para os governos. O UNICEF insta os países em toda a região para que protejam e aumentem os orçamentos de educação, com atenção especial às necessidades das crianças e dos adolescentes vulneráveis com maior risco de abandono escolar.

No Brasil - O fechamento das escolas – embora necessário para conter a COVID-19 – teve e ainda tem impactos profundos na vida de crianças e adolescentes. Considerando as desigualdades brasileiras, as opções de continuidade das aprendizagens em casa não se deram da mesma forma.

Antes da pandemia, 4,8 milhões de estudantes viviam em casas sem acesso à internet – o que teve forte impacto nas oportunidades de acesso ao ensino online na pandemia. Em agosto de 2020, segundo a PNAD COVID, 4 milhões de estudantes do ensino fundamental (14,4%) estavam sem acesso a nenhuma atividade escolar. A maioria negros, vivendo em famílias com renda domiciliar inferior a ½ salário mínimo.

Escolas fechadas tiveram também outros impactos. O tempo prolongado de isolamento prejudicou a saúde mental. Sem acesso à merenda, a alimentação dos mais vulneráveis piorou. E longe da rede de proteção provida pela escola, crianças e adolescentes ficaram ainda mais suscetíveis a diversas formas de violência, entre elas, o trabalho infantil.

Retomar o ensino presencial e garantir o direito de crianças e adolescentes à educação são ações essenciais e urgentes no país. Essa reabertura deve ocorrer com toda a segurança, preservando a saúde de crianças, adolescentes, profissionais da educação e das famílias de todos. Além de reabrir as escolas, é essencial ir atrás de quem não conseguiu se manter aprendendo na pandemia – ou quem já estava fora da escola ou em atraso escolar antes da COVID-19. Essas crianças e esses adolescentes precisam de iniciativas e propostas específicas para que consigam retomar a aprendizagem.

Acesse o relatório Educação em Pausa, disponível somente em inglês e espanhol.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

A CONTRIBUIÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NAS RELAÇÕES SOCIOAMBIENTAIS

 As sociedades estão enfrentando neste século XXI diversos conflitos socioambientais pela ação antrópica (ação realizada pelo ser humano com relação ao meio ambiente).  Com o surgimento da pandemia causada pela Covid-19 estes conflitos crescem de proporção, na medida em que os seres humanos estão tendo que lidar com a busca de vacinas e soluções sanitárias para enfrentar esta crise socioambiental e os efeitos do isolamento social na sociedade.  As relações sociais estão tendo que lidar com situações e conflitos que necessitam de diálogo, reflexões e saídas.  A Justiça Restaurativa pode contribuir na busca deste diálogo e soluções aos conflitos socioambientais. O Jornal Oecoambiental realizou uma entrevista exclusiva com  uma especialista na área da Justiça Restaurativa Flávia Resende.  Consideramos que a implantação da Justiça Restaurativa nas escolas, pode contribuir para que a educação possa ir retomando suas atividades diante esta crise sanitária no Brasil e no mundo.  E mesmo pós pandemia, poderá auxiliar na conquista de uma melhoria da qualidade de vida na área da educação e na sociedade como um todo.

Entrevista exclusiva com Flavia Resende

Foto: Matheus Soriedem - /Flávia /Resende

Flávia  Resende é Mediadora de Conflitos, tendo iniciado este trabalho como mediadora em comunidades vítimas de violência, pela Secretaria de Estado de Defesa Social de Minas Gerais (SEDS). É pesquisadora e facilitadora de diálogo em Justiça Restaurativa no Projeto Ciranda, na Faculdade de Direito da UFMG (2016). É também Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito de Família da PUC/MINAS (2018) e Tutora no Projeto Nós, do Ministério Público de Minas Gerais, que ensina Justiça Restaurativa nas escolas públicas do estado de Minas Gerais. Realiza formação de mediadores em órgãos como a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais, Ministério Público, Secretarias de Direitos Humanos e de Educação, entre outros órgãos desde 2011. Graduada em Direito (1999) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMINAS); em Comunicação Social, com ênfase em Jornalismo (1999) e Filosofia (2008) pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Sua formação inclui, ainda, um Mestrado em Filosofia, área em que pesquisou a ideia de justiça como diálogo. Mediadora pelo Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil - IMAB (2009). Possui formação na Mediação Circular Narrativa e os sistemas familiares pelo Programa Internacional Sara Cobb e Carlos Sluzki, PISC, Argentina (2011). É Mediadora Judicial pelo TJMG (2016) e vice-presidente da Comissão de Mediação e Conciliação da OAB/MG.

Jornal Oecoambiental:  Qual sua origem Flávia. Fale um pouco sobre sua história de vida.

 Flávia:   Quando li a sua pergunta eu pensei... Questão profunda: “Qual minha origem?” Daí a pouco isso já me levou pra outro ponto (mesmo que você não me tenha perguntado!) “quem sou”? E logo nesse jeito meu de ver as coisas, veio à resposta. Sou uma pessoa muito questionadora. Minha origem vem então disso. De uma família de pessoas que falam muito sobre ancestralidade. Até porque a história da minha família é muito rica e contraditória, como nosso país, no sentido de termos uma mistura muito grande dos imigrantes que vieram para o Brasil. Uma tataravó africana que veio num navio negreiro, muitos portugueses, espanhóis, e um tataravô alemão. Acredito que essa miscigenação me faz pensar e encarar a vida por uma série de pontos de vista. Você poderia dizer, mas todo brasileiro é assim! Verdade. Mas nós sempre tivemos muita consciência disso, minha tia contando histórias da minha avó sobre a escravidão de uma maneira concreta e viva. E minha mãe falando dos bisavós fugindo da gripe espanhola; meu pai que sempre gostou de falar de história, uma vez que ele é filho de um pai que quase foi pra guerra como pracinha nos anos 30, mas se apaixonou pela minha avó paterna e desistiu do intento pra se casar com ela. Na minha casa então, sempre nos contamos muitas histórias e questionamos muito a vida de modo geral em seus encontros, desencontros. Acho que então essa é a minha origem, perguntar pelas origens.

   Por causa disso, na adolescência eu pensava muito em ser professora de história, mas dada à dificuldade de muitos professores na minha família, eu desisti pra estudar jornalismo e pouco tempo depois, fiz o curso de direito. Achava que um curso completaria o outro e ser repórter me daria oportunidade pra fazer muitas perguntas. Durante esse percurso, no entanto, acabei me interessando pela questão da justiça, pois, quanto mais eu estudava, mais eu estranhava o modo como ela funcionava, na prática. Trabalhei como advogada por alguns anos, até achar que a pergunta que mais me perpassava no dia a dia, era: “o que é a justiça’?

   Nunca pensei que essa fosse uma questão “séria”, até que um dia fazendo tarefas jurídicas no escritório, um amigo, na época, me disse que as indagações que eu fazia eram bastante filosóficas. Não imaginava, mas acabei compreendendo que a pergunta sobre “o que a justiça?”, era uma coisa que me incomodava e que tinha um peso muito grande em minha vida. Fui atrás disso.

    Parecia inacreditável voltar à faculdade àquela altura – até hoje eu não acredito! Ingressei numa graduação em filosofia pra pesquisar o sentido da justiça. Uma conversa com o saudoso professor Marcelo Pimenta Marques foi muito importante. Ele dizia que, em Platão, o filósofo que eu tinha decidido estudar, o conceito não estava 7pronto, mas que a justiça era algo que construíamos a partir dos impasses, com o outro. Tive a impressão de ter encontrado o meu caminho. Considero essa a minha origem.

Jornal Oecoambiental: Você considera que as relações humanas e a forma como nos organizamos em sociedade fazem parte do meio ambiente?

 Flávia:    Sim, claro. Não somos os dominadores da natureza, embora muitos de nós, seres humanos, nos portemos como. Não estamos acima, somos parte da natureza. Conversava isso com um amigo hoje. Vivemos uma pandemia de SARS-CoV-2, a Covid – 19, e corremos o risco de entrarmos em muitas outras nesse século que se inicia se não mudarmos a forma como nós nos relacionamos com o meio ambiente, especialmente com os animais.

   Temos presenciado no Brasil o desmatamento sem controle pelos órgãos de fiscalização, para dar lugar a pastos e a plantações para alimentar os seres humanos e a tantos animais confinados. A forma como isso é feito destrói a biodiversidade e rompe as distâncias saudáveis entre as espécies. Ao que parece, a biodiversidade é o controle de pragas mais efetivo que existe. Coisas assim já advertiu a bióloga Rachel Carson nos anos 60 em seu livro A primavera silenciosa, que eu tive a oportunidade de tomar conhecimento há pouco. Na época, parecia um exagero a preocupação dessa estudiosa com a natureza. E ainda hoje, muitos acham. No entanto, colhemos as consequências dos nossos descasos.

   Para mim, tudo está conectado. Como nos importaremos com o meio ambiente, se nós seres humanos negamos a natureza não somente fora, mas principalmente e especialmente, em nossa condição humana? Temos uma educação que vê com maus olhos nossas necessidades, desejos, como se eles (e não a nossa falta de conhecimento sobre o sentido dos mesmos) causassem a crueldade no mundo.

   Seres humanos são vistos pelos sistemas de crenças e de pensamento hegemônicos, como possuidores de uma racionalidade superior a todas as outras dimensões humanas (como se a razão não fizesse parte de um todo).  Nossa educação não tem espaço para a compreensão das emoções e para os inúmeros alertas que elas nos dão. Somos ensinados a negligenciar e não a compreender o que sentimos. Nosso corpo é tratado como se ele não tivesse nenhuma inteligência. Escutar o corpo, os seus cansaços, limites, previne doenças. Ser capaz de ouvir e acolher as nossas diversas vozes pode nos fazer mais felizes e criativos. A angústia dói, mas se formos corajosos de ir atrás do seu significado, sentido, ela pode nos dar inúmeras respostas. Às vezes penso se não é o caso de fazermos as pazes não só com o meio ambiente, mas inclusive e, principalmente, com a nossa condição humana.

Jornal Oecoambiental: Qual trabalho você realiza na sua área profissional?

Flávia:  Sou mediadora de conflitos e facilitadora de diálogo em justiça restaurativa. Basicamente, ajudo as pessoas a conversarem para que elas escutem a si mesmas, e depois se escutem mutuamente, para construírem soluções criativas para as suas controvérsias.

Jornal Oecoambiental: O que é a Justiça Restaurativa? Quais são seus fundamentos? Ela pode ser aplicada na educação?

 Flávia: Gosto da definição da estudiosa Petronella Boonem, que é coordenadora do Centro de Direitos Humanos e Educação Popularde Campo Limpo, CDHEP, importante pólo disseminador da Justiça Restaurativa (JR) em São Paulo. Ela diz que a JR é “um meio de gestão de situações problemáticas (podem ser crimes) em que um facilitador auxilia os envolvidos,  junto com membros de suas famílias/comunidades por eles indicados, a fazerem um processo dialógico capaz de transformar uma relação marcada pela oposição e violência, em relação cooperativa, partindo das pessoas concretas, de suas dores, necessidades e do dano causado”.

   A justiça restaurativa é, pois, um método de resolução de conflitos, não adversarial, que trabalha com pessoas sentadas em círculos, numa posição não hierárquica, ou seja, em igualdade, através do diálogo. No círculo, facilitadores e participantes têm a oportunidade de contar as suas histórias pessoais e perceber que o conflito é uma coisa natural da vida e que podemos lidar com ele com menos culpa e vergonha e muito mais responsabilidade. É uma oportunidade para ofensores assumirem seus erros, apoiados por pessoas, numa postura de não julgamento, ajudando na transformação de sua conduta. E do outro lado, as vítimas têm a chance de serem cuidadas emocionalmente e reparadas pelos danos que sofreram. Os atendimentos dependem da vontade das partes e é feito com um trabalhoso preparo.

  A JRé inspirada em formas de resolução de conflitos de sociedades tradicionais, indígenas, negras. Isso porque nas suas filosofias, ou seja, no modo de muitas dessas sociedades enxergarem a realidade, nós seres humanosnão somos um ser à parte dos outros seres. Nós somos todos conectados. Daí a conduta de um afetar muitos. Na visão restaurativa, quando uma pessoa comete um dano, ela não só prejudica a vítima, mas seu entorno, a si mesma e às pessoas de sua comunidade, como seus pais, seus filhos, entre outros. Daí nos círculos restaurativos convidarmos pessoas de ambos os lados para que estas também possam expressar suas emoções com aquele fato, e amparar vítima e ofensor, no que for necessário. O objetivo é transformar aquele conflito numa oportunidade de reparação, cuidado e de aprendizado.

   Essa visão, diferente da nossa, em que os conflitos não são suprimidos e sim compreendidos, fazem parte da filosofia Ubuntu, originada na África, da filosofia de índios Maoris na Nova Zelândia, dentre muitas outras. Eu penso que a filosofia ocidental, na sua origem, fala de algo muito parecido. Tanto a natureza, como o ser humano, na sua interioridade, para alguns pensadores, são vistos como conflituosos. Será que é necessário suprimir essa característica em nós mesmos e na vida? Ou podemos empreender esforços para lidarmos melhor com ela?

 Jornal Oecoambiental: A educação é uma área das mais afetadas pela crise da pandemia da Covid-19. Já presenciamos em escolas públicas antes da pandemia, muitos conflitos socioambientais em relação à convivência da comunidade escolar. Agora o desafio da educação é ainda maior, pois o fato das aulas estarem interrompidas por longos períodos agravam estes conflitos. Como este problema socioambiental pode ser vencido através da implantação da Justiça Restaurativa nas escolas?

 Flávia:   As escolas municipais da cidade de Belo Horizonte, através do Programa Nós, uma parceria interinstitucional do Ministério Público, juntamente com as Secretarias Estadual e Municipal de Educação, têm apostado na formação em JR de professores e funcionários, inclusive durante essa pandemia. O objetivo é abrir mais espaços para diálogos nas escolas para o enfrentamento dos conflitos de uma forma mais horizontal. Essas formações já estavam acontecendo antes em todo o Estado de Minas Gerais, na esfera municipal e estadual, mas foram interrompidas.

   Eu considero esse, um trabalho de muito fôlego. Dentre as atividades que hoje eufaço, nesse programa eu atuo como tutora, desde o seu início, em 2018. A função é fomentar ainda mais o diálogo na educação. Com a pandemia, percebo que a jornada do professor ficou ainda mais complicada. Tenho trabalhado nesta pandemia, nas escolas que conseguiram abrir espaço, com o acolhimento dos professores e também com a sua formação a fim de que eles possam melhor receber os estudantes, quando isso for possível.

   É uma época em que muitas pessoas enfrentam perdas e sofrem traumas. Isso precisa ser dito, falado, significado, pensado. E a escola pode ser um desses espaços de acolhimento dos sentimentos dos estudantes e suas comunidades. A dor não transformada é transferida. Acreditamos que espaços de escuta, podem, quem sabe, ajudar a significar o que temos vivido transformando dor em aprendizado.

   Além do mais, acreditamos que o diálogo previne a violência. O psicólogo Marshall Rosemberg, teórico com o qual trabalhamos na JR, diz que por trás de todo ato danoso, sempre há sentimentos intensos das pessoas que os cometem, sendo esta uma forma trágica que muitos seres humanos se utilizam para terem acessos às suas necessidades. Essas necessidades, segundo ele, são universais, tais como o reconhecimento, a autoestima, a liberdade, a conexão, o respeito, a cooperação, a autenticidade, a contemplação, a eficiência, a ordem, a beleza, a segurança emocional, a econômica, a proteção como formas ameaçadoras de vida.

   Nossa sociedade, com suas imensas desigualdades, não é hábil em fornecer um ambiente minimamente digno a todos. Muitos recorrem à violência para conquistarem o que for necessário, por causa de sentimentos de indignação, raiva, baixa estima, ou crenças mal analisadas; tal como a visão simplista, por exemplo, que diz que o sucesso é sinônimo de ausência de conflitos, muito dinheiro, dentre outras coisas. Quando dialogamos, temos acessos não só aos pensamentos, mas aos sentimentos das pessoas. Tentamos conscientizá-las a desenvolverem estratégias mais saudáveis para terem acesso ao que precisam.

Não é um trabalho fácil, como se tudo mudasse só porque uma pessoa quer fazer diferente. Há toda uma estrutura social a ser enfrentada. Também há as histórias de vida e os nossos comportamentos inconscientes. Temos a noção de toda a complexidade. Mas dificuldades e conflitos fazem parte da nossa condição nesse planeta. A verdadeira segurança só existe se os enfrentarmos e procurarmos formas saudáveis de se fazer isso.

Jornal Oecoambiental: A educação pode ser desenvolvida apenas com aulas remotas? Como você avalia a importância da convivência comunitária na formação e educação do ser humano para a vida em sociedade?

 Flávia: Eu não sou especialista em educação, ajudo as pessoas a conversarem, nada mais que isso. Mas eupessoalmente acredito que não, por vários motivos. Primeiro, por causa da falta de acesso de muitos estudantes a computadores e à internet. Segundo, porque somos seres sociais. Precisamos nos conectar com os outros. A educação não se faz só com a técnica, mas com o que a justiça restaurativa muito nos mostra: com o senso de coletividade; com o aprendizado frente às histórias e experiências dos outros; apoio mútuo, diferentes pontos de vista e olhares sobre um mesmo fato; pensamento crítico; oportunidades para que nossos sentimentos sejam acolhidos, compreendidos, nomeados por nós e por nossos pares.

  A convivência comunitária é o lugar de muitos conflitos, mas também um lugar de aprendizado, esforços comuns, troca. Em si, vida e educação só são possíveis com os outros. Eu penso que o ambiente virtual não tem todas as dimensões que precisamos para nos tornarmos seres humanos desenvolvidos em todas as nossas potencialidades.

Jornal Oecoambiental: Como você avalia os desafios que a sociedade brasileira e mundial está tendo que enfrentar diante o agravamento dos conflitos socioambientais?

Flávia:   Acho que a pandemia mostrou as grandes fragilidades da nossa sociedade. As dos sistemas de saúde mesmo nos países ricos; a importância de um meio ambiente equilibrado; o papel fundamental da ciência que não pode ser feito de acordo com interesses de grandes conglomerados econômicos, mas precisa de investimentos públicos e liberdade. O confinamento decorrente da Covid-19 mostrou a importância do papel da educação no funcionamento da sociedade. Escuto relato de muitos pais, sentindo-se desamparados sem o espaço e os cuidados das escolas. Há também as inúmeras doenças emocionais que chegam por causa do isolamento e falta de encontro, contato, mostrando o quanto somos seres sociais. Enfim, evidenciou que o progresso tecnológico é só uma parte. Há muito a ser feito em sociedade para que o nosso planeta seja um lugar habitável para todos; inclusive para os seres não humanos, pois é muito sério o modo como tratamos e confinamos, por exemplo, os animais.

 Jornal Oecoambiental: Você considera que é importante a participação da sociedade civil na busca de melhores condições de vida e meio ambiente?

Flávia: Claro! Nada avança sem mobilização social. A declaração dos direitos humanos nos ordenamentos não diz da sua efetividade. Diz o artigo 225, da nossa Constituição Federal, que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

  No entanto, vemos a questão dos agrotóxicos avançarem com pouco controle no Brasil; os rompimentos das barragens em Minas Gerais, como foi a de Mariana em 2005; a de Brumadinho em 2019, sabendo que estas não foram as únicas; o derramamento de óleo do nordeste, que eu pude inclusive presenciar no ano passado por ocasião de uma viagem, e verde perto as praias e animais tingidos de preto, lutando pela vida, e o desespero das pessoas perdendo seus paraísos e fontes de renda. 

   Há uma definição da ONU que diz que a paz é ausência de violência direta, incluindo a ausência de violência estrutural. Nesse sentido, não vivemos num mundo que fomenta o progresso pela via da paz. Também diz a ONU: “a paz passa agora a supor uma cooperação e uma troca social não violenta orientada para a criação em uma sociedade de estruturas mais equitativas e mais justas”. Precisamos então, nos conscientizar, nos organizar e construir soluções.

Jornal Oecoambiental: Qual mensagem você mulher, advogada e filósofa tem a dizer para a população com relação à construção de um mundo melhor e um meio ambiente mais saudável?

 Flávia Se eu posso dizer alguma coisa, é que nós não somos seres divididos, separados. Pertencemos a um todo e há um todo em nós mesmos. Através da minha experiência pessoal, eu diria: conectem consigo mesmos, prestem atenção nos seus chamados pessoais. E a partir de seus chamados e ou silêncios conecte-se aos outros. Peçam ajuda se mobilizem; precisamos transformar o mundo pensando também em visões mais coletivas e não somente as individuais.