NAÇÕES RICAS ESTÃO BRINCANDO COM O PLANETA
Protestos da sociedade civil de vários países em Copenhague- foto:divulgação
As nações, especialmente as mais ricas e poderosas, estão brincando com o planeta, não levando nada a sério as sérias respostas que a natureza está dando pelo aquecimento do planeta. Isso é o mínimo que se pode considerar diante dos resultados pífios alcançados pela Conferência Mundial sobre Mudanças Climáticas, realizada em Copenhague, capital da Dinamarca.
Para o cientista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, considerado um dos maiores especialistas em clima do Brasil e que acompanha há muitos anos a evolução do desmatamento na Amazônia, a falta de um acordo forte para o clima em Copenhague vai retardar o combate ao aquecimento global até o ponto em que seja tarde demais para reverter algumas das suas consequências.
Em entrevista ao jornal O Globo, publicada em 19/12, no dia seguinte à fracassada conferência comandada pela Organização das Nações Unidas (ONU), o cientista Carlos Nobre destaca que um acordo com valor legal seria importante para que todos assumissem suas responsabilidades. “Quando os impactos mais graves das mudanças climáticas começarem a aparecer, pode ser tarde demais”, diz o cientista.
A conferência de duas semanas que reuniu chefes de Estado de 193 países para a Conferência do Clima terminou com um acordo fraco sem valor de lei e adiando para a Conferência de 2010, que será no México, todas as decisões importantes, como as metas de redução de emissões globais e os compromissos dos países ricos ou em desenvolvimento com relação à mitigação das trágicas conseqüências das mudanças climáticas nos países pobres. Leia, a seguir, a íntegra da entrevista de Carlos Nobre ao jornal carioca.
O acordo não estabelece metas obrigatórias de redução de emissões e, tampouco, tem valor de lei. O que o senhor achou?
Estão todos jogando o problema para a frente, adiaram a tomada de decisões. Um acordo com valor legal seria importante para que todos assumissem sua responsabilidade, mas, agora, o que pode acontecer é todo mundo colocar o pé no freio. Existe o risco de cada um fazer o que quer e, mais à frente, quando os impactos mais graves das mudanças climáticas começarem a aparecer, terem que começar a fazer algo. Mas pode ser tarde demais.
Por quê?
Cada vez mais estudos mostram que, se a temperatura passar de um determinado ponto, os grandes reservatórios de CO2 do planeta, como o permafrost e grandes florestas, podem liberar um enorme volume de CO2 na atmosfera, e não vai ser possível fazer nada para evitar, porque se trata de um volume muito grande. E essa desestabilização pode ocorrer em décadas. Um outro risco é o rápido degelo da Groenlândia e da Antártica Ocidental, que poderia levar a uma elevação do nível do mar de 6 a 8 metros.
O acordo fala em limitar o aumento das temperaturas em 2 graus Celsius, mas não fala em metas globais de redução. Com as metas voluntárias apresentadas, é possível limitar esse aumento?
Essas metas apresentadas por todos são muito modestas, mas são de curto prazo. Teoricamente, seria possível que, a partir de 2020, todos tivessem cortes muito maiores, bem profundos, para poder limitar o aumento a 2 graus. Ou seja, o esforço terá que ser muito maior. E teria que ser global.
A meta global que apareceu em vários rascunhos, mas acabou não sendo incluída no texto final, era de cortar 50% das emissões até 2050. Isso seria suficiente para limitar o aumento a 2 graus Celsius?
Uma redução de 50% das emissões globais até 2050 não garante o limite de aumento da temperatura em 2 graus Celsius até o fim do século. Com essa redução de 50%, o aumento das temperaturas ficaria entre 2,6 graus Celsius e 2,8 graus Celsius até o fim do século.
E quais seriam os principais impactos globais desse aumento?
Trata-se de um processo lento, de séculos. Mas com um aumento de 2 graus Celsius, a elevação seria de um metro. Com 2,6 graus Celsius a 2,8 graus Celsius, essa elevação poderia chegar a 2,5 metros. Isso sem considerar os dados de um estudo publicado na revista Nature, segundo o qual, com uma elevação um pouco acima dos 2 graus Celsius existe o risco de uma desestabilização muito grande na Groenlândia e na Antártica Ocidental, que poderia levar a um aumento do nível do mar de 6 a 8 metros.
O que acontece com as nações insulares com um aumento das temperaturas entre 2,6 e 2,8 graus Celsius?
No cenário de uma elevação de 2 graus Celsius, elas tendem a desaparecer na escala de alguns séculos. Mas eu queria frisar também um outro ponto. Algumas dessas ilhas têm 500 mil habitantes. Se o mar subir um metro, desaparece também toda a Baixada Fluminense e de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, uma área muito carente, que também tem 500 mil habitantes. É claro que essa população do Rio pode ser transferida para uma área mais alta. No caso das ilhas, há a questão da nacionalidade, da cultura. Mas só estou tentando mostrar que uma elevação dessas afeta todo mundo, que seria importante considerar o aspecto absoluto e não apenas o simbólico, do desaparecimento de um país. É bem possível que em dois anos, voltemos a discutir o limite de 1,5 grau Celsius.
Como o senhor apontou, o aumento do nível do mar é um processo lento. É possível se adaptar?
Sim, mas o custo é muito alto. Vamos voltar ao exemplo da Baixada Fluminense e de Jacarepaguá. Lá vivem umas cem mil famílias. O custo para removê-las para uma área mais alta, dar a cada uma delas uma casa simples, seria de US$ 4 bilhões a US$ 5 bilhões. Estou falando de algo pequeno, numa região do Rio. Ninguém deve imaginar que adaptação é uma coisa simples.
Muitas pessoas apontam que um avanço do documento foi o REDD, o mecanismo que permite a contabilização da redução das emissões de CO2 por meio da diminuição do desmatamento e da preservação da floresta. O que o senhor achou?
Até onde vi, acho que isso foi o que mais avançou. E o Brasil tem tudo para liderar essa dinâmica do REDD, desse novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia e as regiões tropicais do planeta de forma geral, que terá que acompanhar o mecanismo. O Brasil pode assumir essa liderança mundial da redução do desmatamento.
O REDD torna mais factível a meta brasileira de reduzir em 80% o desmatamento da Amazônia até 2020?
Bem, isso certamente deverá ser mais discutido adiante, mas, pelo que o presidente Lula falou na sexta-feira, em seu discurso, ele não vai usar os recursos de fora. Ele falou isso para o mundo, assumiu uma responsabilidade e é lógico que todos vão cobrar.
O documento não estabelece uma concentração de CO2, de cerca de 450 ppm, relacionada ao limite de 2 graus Celsius, como chegou a aparecer em alguns rascunhos. Houve alguma perda?
A um limite de temperatura, há que se apontar um máximo de emissões neste século. Para esse limite de 2 graus, teríamos, até o fim do século, 500 bilhões de toneladas de carbono emitidas. A grande discussão seria como alocar esse espaço de carbono entre as economias do mundo, mas ela aparece bem diluída no texto. Essa discussão não pode ser evitada por mais tempo.
Qual é o impacto sobre a floresta amazônica de uma elevação média da temperatura global de 2,6 graus a 2,8 graus Celsius?
Com um aumento da temperatura de 3,5 graus a 4 graus Celsius, tem início a savanização da Amazônia. Ficaríamos muito próximo do limite crítico.
O senhor vê outro impacto significativo para o Brasil com essa elevação média?
A agricultura brasileira precisara ser redefinida. As culturas não poderão estar onde estão hoje, várias políticas de adaptação serão necessárias. Haverá aumento de eventos extremos. ( www.kaxiana.com.br)
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